19.10.06

O ALVO

Não quero achar o que os outros perderam:
as moedas no chão, os guarda-chuvas
esquecidos nos ônibus, e a vida
deixada por engano sobre o asfalto.
Ao que ninguém viu, aspiro; ao que existiria
em forma de mar e árvore, se a natureza habitual não irrompesse
com suas sombras e cigarras e cascatas.
Quero, sonho e admiro o inédito
como a noite no caracol de uma escada
contudo perto das constelações se eu pudesse vê-las de outro planeta.

Não me comove o irretornável nem o tempo caído.
Em jogo descoberto, crio minha emoção
e à janela contemplo a noite formal
e eu mesmo sou ogiva aberta aos grandes astros.
O que se perdeu, vai-se embora, como os anéis
separados das mãos, como a ventania
se afasta das bandeiras no momento das bonanças.
Sono perdido; zonas de transição que serão eternamente minhas; luz oculta em covil
não me volto para achar-vos. E sempre adiante busco
minha paisagem impor-se nas paliçadas alheias.

Lêdo Ivo

Lêdo Ivo nasceu em Maceió, Alagoas, em 18 de Fevereiro de 1924. Em Recife, para onde se transferiu em 1940, continuou seus estudos e passou a colaborar na imprensa local. Em 1943 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde se matriculou na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil e passou a colaborar em suplementos literários e a trabalhar na imprensa carioca, como jornalista profissional. Jornalista, poeta, romancista, contista, cronista e ensaísta, estreou-se na literatura em 1944, com o livro de poesias As imaginações. No início de 1953 foi morar em Paris. Visitou vários países da Europa e, em Agosto de 1954, retornou ao Brasil. Foi distinguido com o Prémio Mário de Andrade, conferido pela Academia Brasiliense de Letras ao conjunto de suas obras.