VESPERAL
Desoladora, vã certeza minha
efémera presença que termina
o rosto e a vida em imperfeita linha
fronteira absurda que me não confina.
Pela luta de corpo em que me iludo
um perene sentido eu anuncio.
Mas na manta carnal onde me escudo
tacteio as dobras dum só frustre cio.
Aos mil olhos febris do céu velado
ergo o meu gesto de razão e regra.
Cresce a fria canção, espanto fechado
na mágoa em riste que o meu sangue empedra.
Um súbito destino se organiza
da voz que sou e, do finito vulto,
secreta, anula, transfigura e fria
o nada ser do meu anseio oculto.
Aglutinado sou. Lá fora a noite.
Mas nada vai nascer ou vai morrer
em rumos para além, onde me afoite,
da pausa tensa a que me obriga ser.
E só na raiva lisa de existir
eu me prolongue, necessário modo,
despedido de mim, a descobrir
o caminho de mim para o meu todo.
O meu destino pleno que me exuma
atento forjarei como um desforço
da vida aprisionada, pra que assuma,
conscrito ao humano todo, dele escorço,
a minha impessoal identidade.
Serei a minha ausência e o seu indulto,
reinventando a minha liberdade
como um sarcasmo, um passatempo e um culto.
Helder Macedo nasceu em Krugersdorp (África do Sul), em 1935, tendo passado a infância em Moçambique. Veio viver para Portugal em 1948, frequentando a Faculdade de Direito de Lisboa. Radicou-se em Londres no início da década de 1960, já depois de ter publicado a sua primeira colectânea de poemas: Vesperal (1957). Em Londres obteve as licenciaturas em Estudos Portugueses e Brasileiros e em História (1971), doutorando-se em Letras (1974) pelo King's College. Estreou-se na ficção com Partes de África (1991), mas foi Pedro e Paula (1998) que lhe garantiu a consagração como ficcionista, estatuto de que usufruía já como ensaísta e poeta. Colaborou com vários órgãos da imprensa escrita e co-organizou, com António Salvado, as Folhas de Poesia. »
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