27.11.06

OS MÂNFIOS

E ao fundo dos sonhos, que fica ao fundo dos sonhos? Os mânfios de sempre. Têm estilo, é certo. Ninguém lhes nega o estilo, de tão só estilo estiolado que são. Têm um estilo que se aproxima de uma certa forma de instruir o crime na beleza, a tese de uma libertinagem de pacotilha, cheia de autoridade de si própria, mas receosa do tiro, da porrada, do escarro contra as trombas de uma pedantice que não se aconselha nem aos piores inimigos. Eles andam aí, os mânfios. Cumpre-nos olhá-los e, quando possível, aproximarmo-nos cuidadosamente para logo de seguida lhes desancarmos uma biqueirada nas trombas. Eles andam aí, insinuados, concedendo um lugar à pesporrência mais da treta, são as Marias Cantigas na primeira fila da Igreja, amigos de, privados de, sabedores de tudo o que os outros não vêem, não sabem, não alcançam. Eles andam aí, os mânfios. Parecem regateiras, coitados, tão provincianos decorados de urbanidade, adoptados de um discurso tão corrosivo quão inócuo, supremamente anódino e inconsequente. Eles andam aí, tão só estilo estiolado que são. Palavras, verborreia, creme hidratante, incontinentes verbais. Falta-lhes a vida dissoluta de quem bebe, bebe, bebe, para acalmar a vida, de quem fuma beatas dos cinzeiros à luz pardacenta de um dia sombrio, falta-lhes o negócio das estradas corridas, são já só horas gastas a ver por onde pode a Babilónia entrar. Falta-lhes a berma da estrada, à chuva, com os dedos aquecidos pela ponta do cigarro. Há tipos que, definitivamente, não sabem envelhecer. E depois dizem que os outros não têm vida.