1.11.06

A DE MEIAS*


A rapariga é esquizofrénica, vai e volta. Usa meias coloridas, roupa colorida, há quinze anos já era assim. É assim que me lembro dela, no elevador do prédio onde vivia há quinze anos, uma mulher com a cabeça acima do ar e o nariz a sustentar o peso do queixo aquele desejo imenso. A rapariga só falava quando era preciso e por isso estava calada o tempo todo que eu a via, até dava fome, há quinze anos não tinha o corpo que tenho agora, corrompido de doenças belas, amarelas e azuis, as meias que afinal são as mesmas. Agora grito menos com os mesquinhos que me atormentam o café, essas moscas, estes comedores de gestos que tanto trabalho percutem nas instalações dos edifícios, salas de espera, mictórios, gineceus, ah máquinas de instalar borboletas nos olhos redondos das meninas.

Saio de casa escondido na roupa, volto transformado em cisne, todo nu, os vizinhos adoram-me. Coloro as horas da matança, pergunto-lhes se gostam de iogurtes light como é possível, como é possível, reparo que a minha voz os seduz e demoram um instante mais a fechar a porta à desgraça que nos alimenta.


Rui Costa

*imagem: X

3 Comments:

At 11:31 da tarde, Anonymous Anónimo said...

"máquinas de instalar borboletas nos olhos redondos das meninas." muito fixe!
Aurora

 
At 3:33 da tarde, Blogger MJLF said...

azul e amarelo = verde
Maria João

 
At 5:55 da manhã, Anonymous Anónimo said...

ora pois,
Rui Costa

 

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