Portugal é um país de poetas?
Um leitor amigo pergunta-me, por e-mail, se Portugal é um país de poetas. Nunca me sinto confortável com este tipo de questões, julgo-as esquivas e pouco precisas. Seria melhor que alguém pudesse especificar o tom da questão, até porque a mesma merecerá respostas diversas em contextos distintos. E tudo porque a pergunta depende do que entendamos, no contexto da frase, pelo conceito de poetas. Que Portugal seja um país, para o bem e para o mal, pouca gente terá dúvidas. Mas de poetas? Em que sentido? Se for daqueles que escrevem poemas e poesias é bem provável que seja, pelo menos tanto quanto a Espanha, a França, Itália, a Alemanha, a Inglaterra, isto só para não sair da Europa. Com uma particularidade que talvez torne o nosso país algo especial: é um país relativamente pequeno, onde se lê em média menos de 1 livro por ano, mas onde se publicam 365 livros de poesia todos os anos, para apenas 200 leitores de poesia disponíveis. Acontece também que, além dos 365 livros de poesia dados à estampa todos os anos, à razão de 1 por dia, devemos acrescentar mais 563 que ficam esquecidos nas prateleiras recônditas das mais de 300 editoras no activo. E há ainda as gavetas, as nobres gavetas que tanta história fazem e determinam. As gavetas repletas de resmas de poemas empoeirados, ressequidos, quase mortos, já não vivos. Mas há um outro sentido para a palavra poeta. Assim como por vezes dizemos «esta cena é surrealista», não tendo a cena, nem de longe nem de perto, nada que ver com os manifestos de Breton, também dizemos muitas vezes, em tom de desprezo, «isso não passa de poesia» ou, quando queremos rebaixar o nosso interlocutor, «és um poeta, está tudo dito». Quando assim sucede, parece que o poeta se transforma num tipo utópico, sonhador, em suma, um tipo pouco pragmático, inútil, dispensável. No fundo, exactamente o que os poetas são mas convém não lembrar. Nesse sentido, Portugal é um país de poetas. Nesse sentido de gente utópica, sonhadora, pouco pragmática, inútil e dispensável. Isso é facilmente constatável em muitas situações. Desde logo, olhem, na própria ideia de que somos um país de poetas, como se isso nos valesse de alguma coisa ou devesse fazer sentir algum tipo de orgulho especial. Eu diria que somos um país de patetas – uns tristes, outros alegres -, entre os quais o maior de todos deverei ser eu que para aqui estou a perder tempo com estas questões colocadas por um leitor amigo. Portugal é, mais do que um país de poetas, um país de poetas ricos – como diz o meu amigo Nuno Moura. Um país repleto de poetas «para inglês ver» mas que ainda não enxergou a cegueira que há muito se abateu sobre os ingleses. Eu diria também, decalcando Miguel Esteves Cardoso, que os portugueses são peritos em «revelar sinais de riqueza onde ela não existe de todo», seja essa riqueza espiritual ou material. Mas não poderá também isso ser poesia? Só os poetas, sobretudo os fracos, vêem riqueza onde ela não existe. Por exemplo, na poesia. Eliot é que estava com a razão toda quando escreveu num dos Quartetos: «The poetry does not matter». Direi apenas que os poetas ainda menos.
1 Comments:
Henrique:
E Portugal sem patetas? Não seria horrível?
Viva os patetas!
Maria João
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