1.2.07

SONETO CONTRA AS PESPORRÊNCIAS


É favor não pedirem a esta poesia
que faça o jeito às alegadas tendências
do tempo nem às vãs experiências
que sempre a deixaram de mão fria

o que iria bem mas mesmo bem seria
num jornal a coluna das ocorrências
as coisas da vida mais que as pesporrências
editoriais do comentador do dia

o que vai mal com ela são as petulâncias
de que se vestem muitas redundâncias
dando-se públicos ares de sabedoria

que o leitor farto das arrogâncias
magistrais troca por outras instâncias
onde pode mandá-las pra casa da tia


Fernando Assis Pacheco
In A Profissão Dominante
1982

«O Fernando Assis Pacheco de que eu gosto tem a obra publicada bem longe dos empórios editoriais mais publicitados de hoje em dia. Distribuída por editores cuja distância do poder económico é um acto cultural defender (Centelha, Inova); ou então entregues a esse prazer da auto-publicação lateral, através de opúsculos passados a stencil e quase que difundido de mão em mão; ou mesmo em ignorados jornais de província, como por exemplo os cinco poemas que publicou em O Arauto de Osselôa, em 1977. (…) A sua poesia distribui-se por dois grandes blocos, um relacionado com o quotidiano num mundo civil, outro inscrito num sufocante dia-a-dia de experiência de exército e de guerra. Ainda que esta segunda zona temática seja a mais extensa e aquela onde fixa uma intenção referencial mais pungente e renovadora, os poemas desligados desses acontecimentos têm uma intensidade não menos veemente e uma força lírica apeladora de uma necessária atenção. (…) O detalhe pessoal, aparentemente confessionalizado, ironicamente movendo-se para uma análise de si e do mundo, irradiando em locais verbais inesperados de organização e de léxico, formam o substracto de uma intenção poética onde a experiência do quotidiano, o sentimento dos outros e a vitalidade de existir se transformam em amplos sinais de beleza de que é preciso não ter medo de falar quando se está perante um autor que pertence ao número dos que não têm medo de chegar à boca de cena e de se dizer.»
Joaquim Manuel Magalhães
In Os Dois Crepúsculos
1981

Outros poemas de Fernando Assis Pacheco no Insónia: Últimos Desejos, Último Tesão, Eu Tinha Grandes Naus.