3.10.07

POUCO BARULHO

Às vezes é preciso fazer algum ruído, mesmo quando não sabemos nada, não percebemos nada, do que nos exige esse ruído. Por exemplo, «o afastamento de Gonçalo Amaral da coordenação da investigação ao desaparecimento de Madeleine McCann» exige-me algum desse ruído. Era bom que fossem explicadas, no mínimo, as razões desse afastamento. Terá sido pelas declarações ao Diário de Notícias? E essas declarações terão sido proferidas tal qual vêm transcritas no jornal? Hoje já ouvi dizer que não, que terão existido equívocos na transcrição das declarações de Gonçalo Amaral. Pode alguém ser despedido na base de um equívoco ao qual é alheio? Serão aquelas declarações, nomeadamente a suposta acusação de que «a polícia britânica tem estado unicamente a trabalhar sobre aquilo que o casal McCann pretende e lhe convém», motivo suficiente para o afastamento? Também é deste medo que falo, quando falo aqui do medo. O medo de falar, tão instituído na nossa sociedade, tem neste exemplo mais uma prova insofismável de que, tacitamente, o melhor é mesmo ficar-se calado, fazer como a avestruz, não piar. Falar-se claramente, neste país, é ainda um atrevimento para o qual a nossa democracia não está preparada. Medonho, este medo do qual não nos libertámos ainda. O que resulta disto tudo? Uma ditadura que assenta no primado da tortura psicológica, da ameaça, sempre iminente, do achincalhamento, do despedimento. Depois disto tudo, não será fácil ao senhor Gonçalo Amaral limpar-se das acusações que nos chegam, em jeito de ricochete, das terras de Sua Majestade: «criticado na imprensa britânica por alegadamente apenas trabalhar quatro horas e meia por dia, por gostar de "almoços bem regados" e por não investigar a maior parte das 252 pistas e informações recebidas pela equipa que dirigia». Chamam-lhe trapalhão. Afirmam alguns jornais ingleses que as declarações do visado foram um "ataque sem rodeios" aos seus colegas britânicos. Uau! Este homem, diz-se em registo oficial, foi demitido por razões óbvias. Óbvias para quem?