4.11.07

CINCO SALMOS DO HOMEM COMUM

«Je n’aime pás le dimanche»

1
Whisky açoite cuecas Jaguar megatão
às vezes um ‘ser humano puramente racional’

é a mim que falam daquele mar vazio de âmbar
é a mim que falam de coluna e assombrado canto

prudente eu meu resmoneio absorvido
pelas explosões de relógios e ventos sem
rotina

não fontes não milénios de luz inextinguível
vazando por coluna e goela com o seu
úteroúteroútero

vem meu querido meu demagogo excrucia-me vendo
aquela fonte banhar as vitelinas dunas

2
As criaturas de carvão buscaram-te por toda a parte;
As criaturas de chá ouviram um trecho de canção, não
eras tu.

As criaturas de fumo buscavam-te por toda
a parte;
as criaturas de pez viram uma árvore, não eras tu.

A mão não eras tu, nem a orelha peluda;
não eras tu o ventre, o astrágalo menos.

O olho não eras tu. Língua e dentes
e maxilar não eram tu. As criaturas de neve
buscaram-te por toda a parte; as criaturas de neve
tocaram uma porta fechada, não eras tu.

As criaturas de papel buscaram-te por toda a parte;
as criaturas de aço cheiraram carteiras grossas, não
eras tu.

Essas criaturas queriam ser livres para te buscar;
e tu sempre pareceste livre da sua necessidade
de ti.

3
W.N.P. Barbellion (pseudónimo)
Março de 1915
vê ‘no alto dum autocarro vazio
um pequeno monte de bilhetes usados e sujos
juntos por acaso a um canto’

Sentiu-se mal
o número de pessoas
o número de quilómetros
o número de autocarros.

Sempre
o número de vozes
o número de vozes não falando umas com as outras
perplexidade sem surpresa

Avenidas Madison Shaftesbury Opera
o número de pulsações
sem número

o doente é aquele em quem o desejo avança
perguntando a razão
o doente é aquele que começou tudo de novo
sem esperar sem
‘esperar a hora que chega à sua destruição’

fala (Adolf Eichmann Abril 1961)
‘numa linguagem cerimoniosa, de escrivão
cheia de abstracções
pedantice
eufemismo’

4
Minha esposa cega escoucinhando na sua carne de moscas.
Minhas esposa cega esmagando-me no seu anel de costelas.
Mas nenhum caco de cerveja arrefecerá os meus últimos ossos.

As moscas dançavam no seu próprio círculo.
Seu círculo dançava nas moscas.
O círculo desejado pela natureza das moscas.

O estômago vê atarem tudo bem forte.
Asas atadas escoucinhando numa película de cola.
Fantasmas em cola era a natureza dos olhos.

Revolta severa se joeirada para o seu fantasma de motivo.
Ar sem motivo roçando na árida garganta.
Minha esposa cega aqueço até ao frio dos ossos.

5
Ordem imaginada contra medo não é ordem.
Diz o homem. Medo imaginado contra a ordem
só nega ou não nega a ordem existente.
Mas de um ribombo de ocos uma ordem nasceu
para negar outra existente ordem de medo.

Noites quebradas antes do fim, interrompendo
os milénios da minha vigilância, diz o homem.
As noites do passado nunca dormidas até ao fim
restabeleceram-se na existente ordem de medo.

Outra ordem de medo é caos.
Imagens de caos variadamente coordenadas
por díspares imaginações unânimes ou não
com suas estações em tempo ordenando as indeterminações.
As ordens revolvem-se no anel ou não evolvem.

As ordens se revolvem como improvisações contra o medo,
imagens mudadas de caos. Sem medo, nada.
Deixem-me, diz o homem, olhem de novo
para o mar.
e neste ouvido começam de novo os ribombos de quilhas.

Tradução de Manuel de Seabra.

Christopher Middleton

Christopher Middleton nasceu no dia 10 de Junho de 1926 em Truro, Cornwall. Poeta e tradutor especializado em literatura germânica, foi professor nas Universidades de Zurique, Londres e Texas. Estudou em Oxford. Começou a publicar em 1944, com um volume singelamente intitulado de Poems.