JUNTO AO MAR DE NEBLINA
1774–1840
Não tenho esperança no futuro. Para mim, o futuro só tem dois nomes: morte e esquecimento. Talvez por isso, tenho da vida uma doentia noção de insignificância. Dou valor à vida mais que a outra coisa qualquer. Porque a julgo rara, dou-lhe imenso valor. Mas, quando penso a vida, não consigo pensá-la sem a morte. A morte não me assusta, não tanto como a dor. A morte apenas me desanima e desencanta. De certa forma, a morte torna-me a vida bem clara. Julgo eu.
Portanto, sempre que faço uma coisa fico a pensar no porquê de a ter feito. Há coisas que se fazem porque têm de ser feitas, outras há que se fazem apenas por não nos ser possível escapar a elas, havendo ainda aquelas coisas que se fazem por mero acaso. De todas estas coisas, interrogo-me sobre a significância das mesmas. Olho para mim entre a minha família, para a minha família entre os meus vizinhos, para os meus vizinhos entre os meus conterrâneos, para os meus conterrâneos entre todos os portugueses, para os portugueses entre os cidadãos europeus, para os cidadãos europeus entre a humanidade, para a humanidade entre um espaço sem fim de cometas, asteróides, planetas, vocês sabem. E depois olho o mar.
O mar é uma força sempre em movimento, essa força tremenda, que jamais homem algum há-de compreender. Olho o mar, na sua imensidão, e sinto a minha real dimensão no mundo. Na verdade, somos todos muito insignificantes. Que façamos coisas para disfarçarmos a nossa indisfarçável insignificância, é apenas prova de que nos falta algo, de que carecemos de qualquer coisa que amplie o sentido de estarmos aqui, sem qualquer importância, como meros dentes de uma gigantesca engrenagem sem sentido aparente.
Há quem responda a estas "sensações" pensando em Deus, há quem lhes responda não pensando, há quem prefira fazer compras, investir na bolsa de valores, coleccionar obras de arte. Há quem escreva livros. Há quem se confirme, desde muito cedo, com este facto incontestável: a nossa presença no mundo não tem qualquer importância. Dir-me-ão de homens geniais, de feitos heróicos, de magníficas construções e conquistas humanas. Levaram-nos onde? Até aqui? Agradeço o esforço.
Supondo que, mais tarde ou mais cedo, o planeta, por qualquer razão misteriosa, implodirá; supondo que, mais tarde ou mais cedo, tudo isto irá desfazer-se em pequenas partículas de pó, que importância pode ter um quadro de Picasso ao pé de um indivíduo a morrer de fome? Que importância pode ter uma extraordinária obra arquitectónica ao pé de um indivíduo a ser torturado? Que importância podem ter o indivíduo torturado e o outro a morrer de fome ao pé do simples burguês que se dedica a vigarizar o próximo para poder pagar as contas domésticas?
Quando atingimos o limite niilista do sem sentido, convém relativizarmos o absurdo da existência. Caso contrário, facilmente seremos engolidos pela soberba da nossa própria insignificância. Não pretendo ser moralista, mas creio que para não se atribuir importância ao que quer que seja convém, pelo menos, reconhecer a importância de desimportantizar a vida. Não se trata sequer de justificar a existência ou torná-la útil. Trata-se apenas de viver um pouco mais do que vivem os mortos.
4 Comments:
somos uma poeira!
Marai João
E mai' nada.
Uma poeira angustiada. : )
Ou angustiante.
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