DOIS OBJECTOS INQUIETANTES
O PÃO
Eis o pão sobre a toalha:
não se agita, não grita
- está ali, simplesmente
como uma ilha a descobrir
pelo sabor e o cheiro.
Um pão morto, um pão vivo
o cortado ou o inteiro?
O pão por vezes geme
como uma égua louca
e cresce, cresce ardendo
no sangrento e lavrado
triste e desabitado
nevoento, esfomeado
céu da boca.
O pão é a substância
dum bicho transformado:
o tempo e a terra
onde foi criado.
O PRATO
Que experiência
levar com ele na cara!
Filósofo ou poeta
marinheiro ou pastor
ou doutra profissão
em que o físico tenha o principal papel
o prato é sempre prestável
excepto quando há circunstâncias
atenuantes. Então
não dá tréguas nem descanso: que se amanhe
quem nele come!
As flores são num prato
normalmente decoração. Pois que nele
têm os legumes a carta de nobreza: o azeite
é um rio de frescura, atravessando
saiba-se lá que inóspitas planuras
de justíssima gula.
Nele repousam os peixes
os capões
os arrotos dos convivas. Má educação seria
deixá-lo cheio.
Do prato à boca
se ganham insuspeitadas malícias e sabedorias.
Nicolau Saião
in “OS OBJECTOS INQUIETANTES” (1993)
1 Comments:
Bom momento poético.
Obrigada pela partilha.
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