10.2.08

JUNHO 1967 EM BUCHENWALD

‘A quietude da morte em redor do campo para inquietante e intolerável.’
Bruno Apitz, Naked Among Wolves

Esta é a entrada. As palavras
Forjadas em ferro no portão:
JEDEM DAS SEINE. A cada um
O que merece.

O cascalho pesado e nu.
A pedra húmida, bruta. A chuva.
O vazio. A ausência humana.
JEDEM DAS SEINE.
JEDEM DAS SEINE.
A cada um o que merece.

Tudo se forma
Numa palavra: Buchenwald.
E aqueles que sabem e aqueles
Nascidos depois da guerra mas vivendo
À sua sombra, estremecem.
A cada um o que merece.

Está tão tranquilo agora. Tão
Calmo que faz uma ausência.
No silêncio dos enormes rolos
Quase podemos ouvir de novo as vozes,
O gemido do gado que era homens.
Em frente, hectares de abandonado saibro.
A cada um o que merece.

Bosque, bosque de faias, canção
De pássaros. O céu, o céu habitual.
Uma mancha de árvores. Um lençol sumptuoso
De cores arrastando-se pelas gotas de chuva.
Chuvisco soltando as pequenas pedras
Onde estamos de pé. Casas de pedra. Portas. Fosco.
Uma árvore morta curvada à chuva.
A cada um o que merece.

Frio, dormente frio. Desespero.
E não desespero. Os piores
Dos homens contra os melhores.
Júbilo na brutalidade por falta
De ternura pelo próximo. O maior
Dos males, o racismo. Um homem, o maior bem.
Muito mais que uma biológica besta.
Um agregado de átomos. Muito mais.
A cada um o que merece.

E podia acontecer de novo
E podiam pender como carcaças quebradas
E podiam gritar de terror sem luz
E podiam contar os golpes que lhes cortam a pele
E podiam arder sob cigarros
E podiam sofrer e suportar todos os golpes
E podiam passar fome e viver para a morte
E podiam viver para esperança apenas
E podia acontecer de novo.
A cada um o que merece.

Temos de condenar a nossa arrogante
Assunção de que somos imunes tal
Como apáticos. Deixámos acontecer.
A História é sempre mais confortável
Do que as implicações do presente.
Ultrajamos o nosso próprio avanço como seres
Ao sermos apenas homens. O milagre.
É o milagre da matéria. A mente
Sabe isto mas a sórdida, cruel e ignorante
Tradição torna o mundo numa concha verbal
A cada um o que merece.

As palavras são falíveis. Só podem
Sugerir o tormento. Façamos
Justiça às palavras. Nenhuma premissa
É absoluta; tão certo que o enorme destroço
De carne segue-a silogisticamente
Em nome da mera consistência. No fim
Todos os meios são condenados. Num contexto
Cósmico, a vida humana é curta. O futuro
Não é feito, mas espera para ser criado.
A cada um o que merece.

Há o rancorosamente sofrido em nós
Todos. O prazer na infelicidade ocasional
Que nos deixa amparar ou ajuda a soltar
As nossas limitações por um instante.
É isso, essa luta pela sobrevivência
Que eu acuso. Não esqueçamos
Buchenwald não é uma palavra.
O seu significado é definido cada dia.
A cada um o que merece.

Agora é notícia e grossos cabeçalhos
E vendo com as lentes da câmara.
Agora para muitos é apenas irritante
Ao passo que para outros é absolutamente mortal.
Ninguém é livre enquanto alguns o não são.
Enquanto o mundo é governado por precedente
Será uma monstruosa irrelevância casual.
A cada um o que merece.

Afastamo-nos. Sempre o fazemos.
É aquilo de que nos aproximamos o que interessa.
Das invisíveis barracas de Buchenwald
Onde só um horizonte indeciso
Resta. Os mortos não se podem queixar.
Nunca o fazem. Mas nós, nós vivemos.
A cada um o que merece.

Aquilo que em tempos unia o homem
Separa-o agora. Nós não somos criaturas
Indefesas abrindo caminho à força
Irresistivelmente para o fim.
Há tempo para tudo e tempo para escolher
Para tudo. Nós somos esse tempo, essa escolha.
A cada um o que merece.

Isto ocorreu perto do cerne
Duma cultura do mundo. Isto
Ocorreu entre as coisas mais altas.
Isto foi uma conclusão filosófica.
A cada um o que merece.

O cascalho pesado e nu.
A pedra húmida bruta. A chuva.
O vazio. A ausência humana.

Tradução de Manuel de Seabra.

Alan Bold

Alan Bold nasceu em Edimburgo no ano de 1943. Trabalhou no The Times Educational Supplement. Dedicou-se à literatura, jornalismo e pintura. Estreou-se em 1965, com Society Inebrious. Em 1970, organizou The Penguin Book of Socialist Verse. É autor de biografias dos poetas escoceses Robert Burns e Hugh MacDiarmid. Faleceu em 2006.