A MANIFESTAÇÃO
Não fui à manifestação por razões já anteriormente apontadas. Discordo da forma como a luta dos professores tem sido levada a cabo, e recordo-me sempre que, mal tinha aquecido o banco, já Maria de Lurdes Rodrigues era alvo de críticas completamente disparatadas, inconsequentes, vazias até de qualquer tipo de conteúdo. Os professores, ou as organizações pelas quais se fazem representar, serão sempre contra os ministros da educação (mais ou menos consoante a cor política que estiver no poder). Mal seria se assim não fosse. Mas são mais contra si próprios se forem contra os ministros da educação a mero reboque de ideias feitas, lugares comuns e preconceitos. Não obstante, 100.000 professores na rua é algo que deve ser valorizado e levado a sério. Para menosprezar esta manifestação, diz-se que os professores apenas se lembraram de vir para a rua quando sentiram os seus privilégios ameaçados. De forma mais ou menos enfática, é isso que afirmam, por exemplo, Valupi (Não posso acreditar mais nessa gente caída na manifestação só para impedir qualquer alteração ao seu quotidiano. Vejo-os a nunca terem participado em nenhuma manifestação, de facto. A nunca se terem preocupado com a política, com as causas sociais, com os deveres de cidadania. Indivíduos reféns da sua individualidade, projectando no espaço da escola o estéril egocentrismo, usufruindo dos pequenos poderes, do bacoco e provinciano estatuto de professor e fazendo da relação pedagógica um antro de vícios e disfunções narcísicas. Que terramoto os fez sair da toca? Este: a ameaça aos privilégios profissionais e à auto-imagem.), Bruno Santos (Não é possível enfrentar o dia seguinte como se nada tivesse acontecido. E se estes 100.000 pugnam por privilégios injustos, quantos não rilharão em silêncio a raiva de uma verdadeira injustiça? Quantos 100.000 calarão por este luso lamaçal fora a revolta e o desespero?) e Alexandre Monteiro (Assim, como se apresenta, a de uma reacção corporativa contra a anunciada perda dos já famosos "direitos adquiridos", não passa de mais uma prova em como o umbiguismo e o egoísmo se podem sempre sobrepor a uma qualquer putativa vocação para ensinar.). Podem estar cheios de razão. Podem aqueles 100.000 professores representar uma paisagem de gente alheia aos problemas dos outros, gente apenas preocupada consigo própria e com os seus interesses corporativos, temendo a perda dos seus privilégios e direitos adquiridos, gente profundamente egoísta que apenas veio para a rua sob a ameaça da avaliação do seu trabalho. Nem sequer iremos supor que aquele era um vasto grupo de pessoas, com estatutos diferentes e intenções diversas, um grupo bastante heterogéneo lutando por uma causa comum, de professores efectivos misturados com professores contratados, de professores contratados misturados com professores desempregados, de professores no topo da carreira de braço dado com professores na base do sistema. Nem sequer poremos essa possibilidade. O que me interessa saber é de outra ordem. Deixando de lado considerações políticas, voltando a clarificar que não fui à manifestação nem concordo com os princípios subjacentes à mesma, pergunto: alguma vez uma manifestação ocorreu que não fosse pelo interesse, explicita ou implicitamente egoísta, dos manifestantes? As reivindicações dos trabalhadores (menos horas de trabalho semanais, melhores salários, condições de segurança no trabalho, etc) não foram conquistadas através de formas de luta similares? E, nesses casos, não eram interesses corporativos que estavam em causa? E quando falamos dos direitos das mulheres, da luta contra a escravatura, contra a pena de morte, pelos direitos dos animais, pelos direitos dos homossexuais, etc? Serão essas causas mais ou menos nobres por merecerem maior ou menor concordância nesta ou naquela época, neste ou naquele lugar? Que uma classe profissional se manifeste em favor daquilo a que alguns chamam privilégios e outros apelidam de direitos adquiridos não deveria causar tanto repúdio. É apenas natural que assim seja. Podem dizer-me que quando me manifestei pelo fim da PGA, pela independência de Timor, contra a invasão do Iraque, a favor da despenalização da IVG, ou por outra coisa qualquer, não estava com isso a manifestar-me, única e exclusivamente, em favor de um interesse meramente pessoal. Meus caros, 100.000 pessoas na rua são, pelo menos, 100.000 interesses individuais. Cada um daqueles manifestantes estava a lutar, pelo menos, pelos direitos de outros 99.999. Num país de 10 milhões de habitantes, são interesses individuais a mais para que possamos menosprezá-los ou reduzi-los a uma simples manifestação de egoísmo colectivo.
4 Comments:
Mas é isso que certos indivíduos tentam fazer crer: quer se alguém se manifesta, pondo claramente em xeque a política do neo-iluminado que está na chefia do governo, o faz por intuitos no mínimo egoístas. No limite, obscuros.
E ai de quem discorde! Bem instruídos no método glorioso dos anos cinquenta, fazem logo tombar em cima do subversivo ou a lama da calúnia ou o porrete da intimidação.
Com o pretexto de que os que refilam são...o que são, não sendo melhor que isso.
Pela minha parte, estou conversado.
E vou continuar a manifestar-me quando bem entender.
Flinger
Os professores portugueses e os seus sindicatos têm uma longa história de lutas erradas. Mas neste momento não posso deixar de aprovar a sua indignação pelo modo como o ministério os tem enxovalhado. Desde o início este governo percebeu que só tinha a ganhar, em termos de imagem (que é a única coisa que os preocupa), com o ataque aos funcionários públicos, cavalgando a onda da inveja popular pelos supostos "privilégios" de que estes gozam. Aquilo de que os "invejosos" da função privada se esquecem é que os "privilégios" da função pública têm servido, desde o 25 de Abril, como referência (em termos de direitos) para todos os outros trabalhadores, e que a perda dos vituperados "direitos adquiridos" na função pública acabará necessariamente por se reflectir nas condições de trabalho dos do sector privado. Assim, ao aplaudirem o ataque aos "privilégios" do funcionalismo público, os trabalhadores do sector privado estão a colaborar alegremente na sua própria depauperação, para gáudio da classe empresarial, que a tudo assiste embevecida.
No caso dos professores, é notório que o governo decidiu desde a 1ª hora transformá-los em fáceis bodes expiatórios de tudo o que corre mal na educação. Ao proclamar a necessidade de avaliar os professores (como se estes não o tivessem sido - mal ou bem, não importa para o caso - antes de terem podido aceder à carreira) o ministério está a insinuar que a culpa dos maus resultados dos alunos se deve à má preparação dos professores. Não é verdade, acho, e parece-me muito bem que os professores se revoltem. Os problemas da educação em Portugal não podem ser desligados das deprimidas e deprimentes condições sociais e culturais das famílias portuguesas, nem das reformas estúpidas e das directivas facilitantes impostas pelos burcocratas ministeriais, para quem a educação é tudo o que menos importa.
A verdade é que nenhum ministro da educação tem uma ideia clara daquilo para que serve o sistema de ensino, ou então tem (tirar as crianças da rua), mas não o confessa porque isso seria admitir que a escola já não serve para ensinar crianças mas para as guardar até à hora em que os esgoatdos pais têm licença de sair dos seus empregos.
Concordo a 96 por centro, como o álcool, com este comentário. Os 4 por cento restantes não indicam discordancia mas sim opção analítica.
Como professor, e não das "reles" letras, perdoem a ironia, protesto contra a tentativa que alguns, longe de serem estúpidos (oh não!)têm levado a efeito para nos difamarem e enxovalharem em bloco.
O que o governo teme é que por carambola as pessoas se lembrem de ir para a rua devido à desvergonha na justiça, à mediocridade na saúde, ao cinismo envolvente em tudo.
Querem "matar a serpente no ovo". Mas a serpente vive sim noutros covis.
Eles sabem isso na perfeição.
Cláudio Simões
É um enorme erro político que o ME se proponha fazer reformas (de facto necessárias) preparando o terreno pela negativa, isto é, pressionando a opinião pública para que esta iniba os professores de rejeitarem as ditas reformas. Acontece que, para além da avaliação, há um "pacote" reformista (estatuto, gestão, etc.) que menospreza a dignidade profissional dos professores e o desejo de reformas existente nas escolas, que nivela por baixo, que olha indiscriminadamente, em bloco, toda a docência. E isto pouco ou nada tem a ver com os célebres privilégios de classe. Por detrás dos diplomas legais está um pensamento penalizador, que difunde a ideia de que os males da sociedade portuguesa têm no sistema de ensino a culpa principal. Assim, quando devidamente castigados, os professores tornar-se-iam, por um passo de mágica, competentes e empenhados. É um pensamento ridículo, que pretende transformar o ensino numa suposta ilha de excelência, por decisão ministerial e fiscalização pública.
> Roteia
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