2.4.08

INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #28d

UM RESTO A CONTA-GOTAS

(CONTINUAÇÃO)



nunca mais chegam as seis horas
e trago à minha companhia Jay-Jay Johanson

um incêndio deflagrou nos bolsos
das suas calças cheias de restos de nódoas
de histórias às vezes vazios
de dinheiro ou de papéis com números
de telefone para encontros sexuais
que dão algum troco para a bucha
mas não chega para afogar
o pavor de se ver branco no negro

o meu mundo foi-se embora
levando-me os paços
as viagens do desejo
a garganta dos contos perfeitos

este vazio contaminando
o trilho da dor percorrida
com a memória em debandada

estão os justos quase a esquecerem-se de ti

brisa triste esta

quando desenterrarem as tuas palavras
no vento
ajoelharão a chorar de arrependimento
por não terem aprendido
com a tua sábia humildade

venha depressa a morte prometida

atravesso o corredor às escuras
com as veias do silêncio secas de desejos
mesmo o de estar vivo

a minha mão a vegetar no meu braço

andam por aí à deriva os gestos do desejo
de abrir a porta da luz que dá acesso
ao carrossel dos mortos embalsamados
no centro do prado dos lírios negros

perdoa não ter conseguido proteger-te
dos demónios e dos monstros deste mundo
onde todas as noites morreram no negrume
da noite em que nasceu a tua morte

evaporo-me no fim das tardes
sem saber como irei suportar o acordar
no horror duma nova manhã
com morcegos voando
dentro da minha cabeça
e as veias enchendo-se de areias
restos de vermes em vidro cortante

agrafo dia a dia todas as recordações
que me vão assaltando como
uma dolorosa ferida de saudade
solidão que sei nunca irá sarar
porque ao deixar o deserto onde vivia
no dia em que voaste sobre mim
e me levaste nas tuas asas
a conhecer o perfume da felicidade
eu renasci sem limites

agora de que me serve cremar
as impressões digitais dos minutos
de amor que dão passagem
para o macabro paraíso cristão
se os pássaros ficaram todos embalsamados
ao tentarem perpassar o muro da vaidade

melhor estou eu sendo um resto imortal
na loucura de acreditar na reencarnação
de uma rã em alforreca e o teu olhar
estar agora no rosto não encontrado
porque trago o coração doente
a alma contaminando sem cura
a podridão da matéria
senão vê

rezo na cara do silêncio
e a voz cega-me
para além das acrobacias da melancolia
e do desenrolar inglório do novelo
das minhas contradições
porque as pontas dão um nó

transporto tantas perguntas inquietas
que o tráfego estoira com o raio
das recordações do tempo das alegrias

abre a porta da gaiola do meu pensamento
e fecha a boca de espanto
quando avistares o cosmos a voar
de asas brancas salpicadas de sangue

abre a porta esta noite porque desejo
beijar-te toda a noite para não me lembrar
que te perdi meu amor

olho por olho solidão por solidão



(CONTINUA)

Jorge Aguiar Oliveira