INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #34
SANDES DE CHOURIÇO
Deslizava suavemente os dedos
pelas pernas depiladas, esperançada
de um dia sentir os do seu homem
a provocar-lhe arrepios. Ele está casado
há trinta anos com a outra a quem ela
embruxou a morte, para se enroscar
um dia destes em seus braços. Até lá,
senta-se à noite na borda da cama,
ajeitando a camisa de dormir com
um lacinho de cetim entre os seios,
espetando uma beijoca no Padre Cruz
impresso a cores e emoldurado
em repouso na mesa de cabeceira.
Nunca tive a esperança de a ver
algum dia trocar a foto do santo
por uma do Sean Connery.
Há dias em que um ovni passa
pelo desespero e nos rapta
para esconderijos indesejados
dum tempo sem chão a arder
onde uma voz sem boca sofre.
Há dias como aquele em que sonhou
com um paquete branco deslizando
sobre os telhados da cidade, curvando
o Castelo de São Jorge e aportar ali
em pleno miradouro da Graça. E ela
de pernas abertas à sua espera para
embarcar. Afundando na imperial
o desejo ardente do paquete ser real
embebedou-se, abrindo uma torneira
do lavatório. Nas águas vieram
serpentes castigadoras para
engolir-lhe as mãos.
Assim ficou para sempre adiado
o toque de pele no corpo dele
como o primeiro toque que foi
de seu pai, que ao encava-la,
apertava-lhe as nalgas e dizia ser esta
a mais saborosa sandes universal.
Jorge Aguiar Oliveira
2 Comments:
«encaba-la»?!? Não será «encava-la»? :)
É opcional, encabar também existe (vide "Dicionário de Expressões Populares Portuguesas" de Guilherme Augusto Simões, Dom Quixote, 1994). Além do mais, é nessa forma que se fala e se ouve nos dia-a-dia.
Quanto ao poema, que é o que interessa, é triste e belo, e deixa suspensas outras histórias e interrogações
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