23.4.08

INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #36

O PERFUME DO DIABO



Virou o tempo do avesso
e a espera por ele virou eternidade
não deixando mais a noite ser
a pele da poesia.

Apeteceu-lhe voltar para mim,
suando de Rock’n’roll e a chupar
os dedos sujos da mostarda
do cachorro quente, para me ler
uns versos duma russa que tinha
descoberto e que anos mais tarde
andou na moda, por estas bandas.

Ostentava escandalosas borbulhas
prateadas no rosto e um capacete
de astronauta maluco enfiado
na peruca, para ninguém
a reconhecer na rua. Um dia
provocou uma catástrofe mundial
ao matar o número sete.
Do seis saltava-se para o oito.
O finado passou a ser
o desfiladeiro do vazio.
Pouco interessavam os gritos,
pouco interessam, porque
afinal, o tudo, pouco importa.

Ontem ela não era quem é. E tu
quem pensas que és? A luz negra?
A morte dos pingos? O perfume
do diabo? Não me faças cuspir
pró ar. Talvez tenha endoidecido
e depois? Ao menos não é o horror
das tuas conversas gananciosas
onde as palavras viram tijolos
na construção de muros. Agora

tu que estás cheia de tesão e vais
passar aqui esta noite (ao menos
esta noite) abre a janela da jaula
– como ela fazia – e grita alto
o último verso do poema
que trazes atravessado…

uma solidão sem poiso no mundo.


Jorge Aguiar Oliveira