2.5.08

O PRECÁRIO PRECÁRIO

Falava ontem com um indivíduo que me dizia ser precário. Estranhei a forma como o afirmava, pois não vislumbrei no desabafo a timidez, quase vergonha, que normalmente vejo nas pessoas que se encontram naquela condição. Não lhe notei grande revolta, não lhe notei aquela indignação sincera e aquela repulsa autêntica de quem realmente vive a precariedade. Antes pelo contrário. Parecia dizer-me que era precário até com um certo orgulho. Dizia «sou precário» como quem afirma uma condição de pertença a um qualquer grupo social, uma condição que o integra em alguma coisa, que lhe permite sentir-se parte de, como se estivesse a dizer que era portista, católico, gay, etc. No fundo, era precário… e com muito orgulho. Fazia parte do clube. Posso estar a ser injusto, mas pareceu-me que aquele indivíduo afirmava a sua condição até com uma certa vaidade. «Estás a ver, olha para mim, eu sou precário, eu não sou um tipo vulgar, sou precário, não sou como tu, sou um explorado, tu és um porco burguês mas eu não, eu sou precário, sou explorado todos os dias, tenho muito orgulho nesta minha condição, pois assim posso dizer mal dos porcos burgueses, dos exploradores, dos patrões filhos da puta, e tu não, eu sei como é viver na merda, ‘tás a ver, na merda mesmo, bater no fundo da dignidade, sei o que é andar a pedir esmola aos pais uma vida inteira, mesmo só tendo 25 anos sei bem o que isso é, andar uma vida inteira a viver de esmolas». É óbvio que estou a caricaturar, mas o discurso do tal indivíduo não andava muito longe disto. Fiquei a pensar que talvez aquela fosse uma forma precária de se ser precário. Precariedade para cá, precariedade para lá, despedimo-nos até ao próximo Festival Músicas do Mundo.

1 Comments:

At 2:17 da tarde, Blogger L. said...

precário preçário às voltas no escritório sentado numa cadeira de pele de dromedário.

passem o foie gras

 

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