30.4.08

INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #39

QUEM ME DERA UM FÃ ASSIM



De corpo grande, pintava em telas a luz
dos pesadelos. Saturando-se depressa
dos cinzentos de Sintra, apanhava um avião
como quem vai à esquina comprar um Gregório
e ia tomar um chá de raios de sol
com as amigas em Copacabana.

A espátula espalhando anil, verdes
esmeralda entre caminhos atormentados
na permanente aura do vazio sem antes
cuidar do rímel e do batom vermelho
nos lábios de apetecer. A mosca falsa na face
era tão imprescindível como o brilho dos brancos
para cegar nos gritos dos quadros. O whisky
e os barbitúricos ajudavam a chegar
às paisagens abstractas, de manhã a manhã.

Viveu como uma estrela – que era – até
o marido se embrulhar na noite do requiem
e deixar de acrescentar dinheiro
para as extravagâncias.

Inventou um misterioso fã da sua pintura.
Criando sempre suspense, contava brilhante
que em todos os locais por onde expunha,
fosse em Tóquio, Paris ou no Rio, o misterioso,
manda-lhe dezenas de bouquets de rosas
amarelas e um cartão anónimo desejando-lhe
o maior sucesso e um beijo do seu
admirador número um
.

Dormiu com a criação volátil do fã anos a fio,
até ser cremada numa tela de solidão.
Desterrada num décimo segundo andar
com vista para a Foz, a sua fiel gata
de companhia ficou envelhecendo triste
e só como a dona, até ao último miau
cheiroso a acrílicos de saudade.

Jorge Aguiar Oliveira