OUTRO EXEMPLO
Na sequência do post anterior, leitor amigo, devidamente identificado, fez-me chegar uma carta de uma editora em resposta a um original seu enviado para apreciação. A carta vem assinada, curiosamente por alguém que acumula as funções de editor com as de escritor. Não seria fastidioso reproduzi-la na íntegra, mas o segundo parágrafo merece-me um destaque especial:
«…depois de duas leituras, decidimos não ir além com a publicação. Não se trata de um daqueles casos muito comuns de recusa por falta de qualidade literária, qualidade que no seu romance é, de resto, indiscutível; mas talvez – e isto se calhar vai parecer-lhe estranho – de um excesso de qualidade; ou seja, cremos que, apesar de a temática da obra ser extremamente actual, a estrutura e a linguagem adoptadas dificultam frequentemente a compreensão da história, fazendo com que o livro não possa ser compreendido no seu todo por um público que não seja suficientemente culto e sofisticado».
Daqui podemos depreender que o público desta editora não é suficientemente culto e sofisticado, assim como os livros vindos a público com o selo desta casa são escolhidos em função da sua linguagem insuficientemente culta e sofisticada. É verdade que a resposta da editora não é uma resposta formatada, como, de resto, acontece quase sempre. E, nos parágrafos seguintes, até me parece devidamente fundamentada. No entanto, a questão mantém-se: o excesso de qualidade é um obstáculo à publicação em Portugal. Queres ser escritor? Baixa o nível, aligeira a linguagem, reduz-te à insignificância do teu público. É esta a mensagem. Triste mensagem.
«…depois de duas leituras, decidimos não ir além com a publicação. Não se trata de um daqueles casos muito comuns de recusa por falta de qualidade literária, qualidade que no seu romance é, de resto, indiscutível; mas talvez – e isto se calhar vai parecer-lhe estranho – de um excesso de qualidade; ou seja, cremos que, apesar de a temática da obra ser extremamente actual, a estrutura e a linguagem adoptadas dificultam frequentemente a compreensão da história, fazendo com que o livro não possa ser compreendido no seu todo por um público que não seja suficientemente culto e sofisticado».
Daqui podemos depreender que o público desta editora não é suficientemente culto e sofisticado, assim como os livros vindos a público com o selo desta casa são escolhidos em função da sua linguagem insuficientemente culta e sofisticada. É verdade que a resposta da editora não é uma resposta formatada, como, de resto, acontece quase sempre. E, nos parágrafos seguintes, até me parece devidamente fundamentada. No entanto, a questão mantém-se: o excesso de qualidade é um obstáculo à publicação em Portugal. Queres ser escritor? Baixa o nível, aligeira a linguagem, reduz-te à insignificância do teu público. É esta a mensagem. Triste mensagem.
28 Comments:
O título desse livro não seria, porventura e por coincidência, algo como "Sinal dos Tempos"?
Talvez fosse útil, verdadeiro serviço público, referir o nome da editora em causa - até para encurtar caminho e poupar tempo (e feitio) a outros autores incautos.
Espero bem que essa dita editora não seja a que apresenta no seu site a seguinte mensagem:
«SITE EM MANUTENÇÃO
Pedimos desculpa pelo incómudo. Prometemos ser breves.» (link)
Triste e de acordo com o "Sinal dos Tempos" em muitas respostas a candidatos de emprego: "com habilitação a mais", mesmo quando se é formado precisamente no que o empregador pede!
Teresa Leal
Triste mensagem? Sim acho que é.
Mas no entanto, aqui há tempos, um escritor poeta disse numa entrevista que certa poesia com basta difusão, ainda que chata e naturalista pelo lado do ramerrão, era assim porque a outra (?) não comunicava e muita gente fartou-se de aplaudir.
Sinal dos tempos e também de certas mentes e desmentes.
ARMANI
o estado a que as coisas chegaram.
JPG, neste caso os nomes parecem-me irrelevantes.
Teresa, essa é outra triste e medonha realidade.
Armani, essa discussão é velha, chata e inconsequente.
José, esse quadro do Van Gogh diz bem do estado a que as coisas chegaram. :)
Pode-se estar aqui a cair numa generalização abusiva. Imaginemos que a dita editora é puramente comercial, e a sua estratégia consiste em chegar ao maior número... Pelo que o nome da editora é importante. E muitas editoras não se pautam por esse critério. O que disse a Assírio, ou a Cotovia, do livro em questão, por exemplo, caso o tenha enviado para lá. De qualquer maneira as editoras em geral trabalham mal, são pouco criativas, arriscam nada com os autores portugueses não consagrados. E estamos a falar em ficção, pois se entrássemos no campo do ensaio o desastre é completo. Por outro lado a concentração de editoras e de livrarias, a própria distribuição, estão a marginalizar projectos editoriais outros. Mas tudo isto merecia um debate que está por fazer, e que na blogosfera ainda nem sequer se esboçou. Talvez porque muitos dos blogueres que tratam de literatura têm o rabo preso. Veja-se o caso da saída recente da Revista Ler. É espantoso como tantos dos seus colaboradores transitam dos jornais mais importantes: Expresso e Público. Há aqui uma falta de plasticidade, de abertura ao outro, à diferença e permanentemente caímos em lógicas centradas e estreitas em vez de vermos proliferar jogos descentrados e arriscados, isto é, reitifica-se o sistema literário, basta reparar em quem foi o principal entrevistado. Não se rompe com nada. Mesmo os que aparentemente parecem querer romper alguma coisa no fundo fecham-se em coutadas muito estreitas. Recentemente Manuel de Freitas no expresso atacou as revistas que têm diversos tipos de apoios do estado, etc. Novamente as tais generalizações abusivas. A maior parte das revistas independentes vive à mingua e dura muito pouco tempo. Todavia pelo que me parece o Freitas pendura-se muito bem no Expresso e promove amplamente os seus e é deveras promovido pelo jornal (embora isso hoje signifique muito pouco, é até ridículo). Todos os seus livros têm recensões do António Guerreiro. Pelo que esta dita marginalidade está muito bem relacionada. É pena que as coisas por cá reiterem ainda uma lógica acantonada, fechada, bafienta, mesmo quando se arvora de uma profundidade sem fundo e do indisível(a morte para o novo realismo). Na praxis não rompem com nada. Muito menos rompem com a literatura.
E inventar omeletes sem ovos? :)
E ovos sem galinhas? E editores sem letras? Mas há uma coisa que esses tais rompem bem: o saco das moedinhas literárias. Pois não.
Alvarinho
Olá João, todas essas questões são muito interessantes mas, para simplificar, responderei apenas ao que tem que ver especificamente com este post. O nome da editora em causa não é importante, assim como não é o do escritor e o da pessoa que respondeu pela editora. Só generalizará quem quiser. O que é importante é que há uma editora que rejeita um livro por ele ter um excesso de qualidade, coisa que, desde logo, conviria explicar. O que é ter excesso de qualidade? É isso que me importa. Os nomes só serviriam para cuspir bílis, como é costume nos debates blogosféricos sobre estes assuntos. A existência de uma ou duas ou três ou quatro editora cujo critério seja publicar livros não pela qualidade dos mesmos mas por, supostamente, estarem ao nível de um tal de público insuficientemente culto e pouco sofisticado é que nos deve fazer pensar sobre os preconceitos de quem edita e a forma como se estereotipa o público leitor de livros, neste caso, de romances. É-me indiferente o que digam ou deixem de dizer outros editores, não me pode ser indiferente que um editor não edite um livro por ele ser excessivamente “bom”. E tu acabas por confirmar os meus anseios: «as editoras em geral trabalham mal, são pouco criativas, arriscam nada com os autores portugueses não consagrados». Vale a pena relembrar, mais uma vez, estas afirmações do editor Nelson de Matos: «Hoje os editores nem sequer lêem os textos. Na maior parte dos casos, o título publica-se porque o autor tem um programa de televisão, é jornalista, é político, é tudo menos escritor». O que importa é que o público se aperceba disto e passe a ser um pouco mais exigente consigo próprio, se for esse o caso.
Etanol, espero que tenha corrido bem por Espanha.
A frase desse editor revela isto que não é pouco importante: as letras por cá bateram no fundo.
Tal como o resto aliás. Portugal no seu melhor.
A.Brito
bluuuruuuguuruuurgggggg... (restos do almoço por todo o lado)
eu sinto coisas parecidas nalgumas respostas - ainda temos quintinhas e canones a proteger, como no tempo dos surrealistas vs realistas...
está a falar do francisco josé viegas?
A.Brito, cuidado que há sempre um fundo para lá do fundo. O fundo, no fundo, é o mais fundo que há.
L., sinceramente acho que o problema já não é esse. Antes fosse, digo eu.
Ente, essa pergunta é para quem?
Não estou a defender que os editores deviam publicar tudo e mais alguma coisa, isso seria do piorio. Agora no mundo editorial ou existe uma pura lógica comercial, legitima, e destes não estou a falar mas sim dos outros, com um critério mais exigente, e estes revelam a sua total cobardia. E não se trata apenas da ficção portuguesa, mas do ensaio, das artes plásticas, onde estão os livros de ensaistas e artistas plásticos e arquitectos, etc, com menos de quarenta anos? O editor devia desafiar os criadores em vez de ter uma atítude passiva. Por outro lado vivemos em esferas disciplinares fechadas, cada mundinho para o seu lado: o da poesia, o da ficção, o das artes plásticas, o da filosofia, etc., quando o tempo está maduro para os cruzamentos, os híbridos, os deslocamentos disciplinares, a indisciplina. Por isso volto a dizer, o nosso mundo editorial em relação ao potencial desta terra mal amanhada é deveras mediocre e navega com terra à vista.
Quando me meti no comentário anterior com o Manuel de Freitas fi-lo sabendo mesmo assim que ele é dos melhores. Seja a Averno, ou a Telhados de Vidro são coisas importantes. Tenho pena que sejam projectos fechados, de gueto e se alimentem de uma certa aura do campo literário, e por aí fora.
Em suma, desafiamo-nos muito pouco uns aos outros, somos mediocres, e a nossa blogosfera é hoje um exemplo dessa declinação.
a pergunta era para si.
Ente, que eu saiba o FJV não é editor. Se for escritor, duvido que sinta estas dificuldades em editar. Pelo menos agora. :)
João, sublinho: «O editor devia desafiar os criadores em vez de ter uma atítude passiva».
"a nossa blogosfera é hoje um exemplo dessa declinação". cito e é verdade.nem mais. e o resto é conversa. de editores coxos.
Berimbau
parvoíce minha, tinha ficado com a impressão de que ele editava livros da Asa.
Deixem-se de filosofias e transcendencias, é tudo uma questão de cacau e figura no
portugalinho.
Taxidermista
Ente, és um brincalhão. :)
Berimbau, sem querer mudar de assunto, sinceramente, acho que a blogosfera não é para aqui chamada. Aliás, sempre achei a obsessão com a blogosfera, tanto discurso sobre a blogosfera, o próprio conceito de blogosfera, algo um pouco palerma. E acho sempre pujante, para não dizer outra coisa, a atitude de quem palavreia, critica, atira foguetes, apanha canas, lança postas de pescada sobre isto e sobre aquilo sob anonimato. São sempre estas as questões da blogosfera, serão sempre estas as questões da blogosfera. Por que razão até em temas tão simples como estes as pessoas continuam a manifestar-se anonimamente? Afinal que raio de forma é essa de apontar a cobardia dos outros? E por que serão sempre estes os temas mais comentados na blogosfera? Sinceramente, acho que há demasiada ilusão na blogosfera, demasiada frustração na blogosfera. Já agora, sobre a blogosfera, sugiro a leitura de um post recente do Valupi no Aspirina B: http://aspirinab.com/valupi/o-daniel-e-o-blogodrama/
Taxidermista, se nós nos deixássemos de filosofias e de transcendências tu não terias o que comentar. Vivó Benfica.
O grande problema é que maior parte dos editores, editorzinhos e editorzões só querem uma coisa: promover pessoas e não literaturas. Alia-se a isto o facto de tudo quanto tenha uma qualidade cimeira, que ponha em causa as pessoazinhas dos editorzinhos ou dos seus amiguinhos, é frequentemente posto de lado... Desafio todos os escritores a divulgarem as cartas negativas que recebam de editores. Com nomes (deixemo-nos de hipocrisias, caramba!)
não coloco aqui a ultima porque... apaguei o mail.
mas tinha uns adjectivos giros, que depois fui comparar com algumas coisas por ele editadas...
Gustavo, pode chamar-lhe outra coisa mas não lhe chame hipocrisia. Eu acho que os nomes não são relevantes e agi em consonância com isso. Para ser hipócrita, teria que dizer os nomes julgando que eles não são relevantes para o caso. Mas se o Gustavo tem alguma coisa a dizer, então que diga. Parece-me uma pessoa bastante informada. Deve ter muita coisa para revelar. Revele.
Não quero que acabem com as filosofias e as transcendencias. Está implícito que o que eu chamo à atenção é a muita conversa desnecessária para uma coisa bem simples, ganhuça. E outra, botar figura haja ou não figura para isso, desses editores e seus escrevedores.
Taxidermista
Não revelo nada, porque não sou fotógrafo. Faço apenas uma pergunta: por que será que algumas editoras, mesmo marginais, publicam titaradas de meter nojo e põem fora de circulação obras que, noutros lugares, são acarinhadas e louvadas? Não acredito na miopia...
Disse no comentário anterior que as editoras são cobardes, não arriscam, não têm estratégias que escapem ao já instituido e isto em parte porque o nosso mercado de leitores exigentes é exiguo e para agravar as coisas espartilhado. O nosso público leitor fragmenta-se em nichos sem massa crítica, sem dimensão para sustentar projectos mais ousados. Por isso as editoras têm receio, não arriscam. Preferem os valores seguros, consagrados. E mesmos estes fora do romance só por um feliz acaso vendem alguma coisa que se veja, como foi o caso do José Gil. Pelo que temos um público leitor que também arrisca pouco, é mesmo bastante conservador. Mas as editoras ao não arriscarem também não forçam a mudança, não alteram o estado de coisas, não implementam devires minoritários que poderiam converter-se em vaga. E não vejo nas novas editoras ou nas editoras marginais nada de novo. Estas, as ditas marginais, em geral são paroquiais e vivem de grupelhos e de apaniguados, não tecem em seu redor redes mais amplas e polimórficas.
Por fim, e sem deixar de salientar o ridículo de muitas das querelas em redor do acordo ortográfico, não vejo nenhum tipo de jogo outro com o Brasil, que me parece crucial para o domínio da lingua portuguesa e tudo que arrasta. Aonde estão as redes sólidas, as trocas, etc, com o Brasil. E essas redes têm de ser feitas por cada um de nós, por cada agente e não se estar sempre à espera do Estado para tudo. E não estou a falar só de literatura mas das ciências humanas, da arte, da ciência, etc. E com Espanha... O problema não é apenas das editoras, ele perpassa todo o tecido cultural português: editoras, galerias, museus, universidades, etc.
brincalhão? então porquê?
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