Eventualmente passo dias inteiros sangrando
Eventualmente passo dias inteiros sangrando
(por negar-me a ser mãe).
O ventre vazio sangra
exagerado e implacável como uma mulher enamorada.
Se os filhos não saíssem nunca
do corpo das suas mães
juro que teria um agora mesmo
para senti-lo crescer dentro de mim
até me possuir como numa sessão espírita
ou como se o meu bebé e eu
fossemos bonecas russas
uma cheia da outra
mamã cheia de bebé.
Também teria um filho
se eles fossem sempre bebés
e pudesse sustê-lo em meus braços acima da realidade
para que o meu menino nunca pusesse os pés na terra.
Mas eles chegam a ser
tão velhos como qualquer um.
Não alimentarei ninguém com o meu corpo
para que viva este suicídio em cotas que eu vivo.
Por isso sangro e tenho cólicas
e aperto este ventre vazio
e engulo comprimidos até adormecer e esquecer
que me esvaio na minha negação.
Tradução de Jorge Melícias.
Miriam Reyes nasceu em Orense no ano de 1974. Residiu na Venezuela, onde estudou Letras na Universidade Central até 1996. Publicou os livros Espejo negro (2001), Bella Durmiente (2004) e Desalojos (2008). O poema acima reproduzido foi copiado do n.º2 da revista Sulscrito. É o quinto da sequência Espelho Negro, a ser publicada em língua portuguesa pela Cosmorama Edições. A autora possui um sítio que está neste momento em reconstrução.
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