A MÚSICA FOI AO CINEMA
Após a estreia de Singles (1992), uma comédia sobre a então muito em voga onda de Seattle, com a ajuda de bandas tais como Soundgarden, Pearl Jam e Mudhoney, um jornalista perguntou aos Nirvana se se sentiam parte do grupo de bandas caricaturadas no filme de Cameron Crowe. A resposta foi negativa, tendo Kurt Cobain sugerido que nunca vira um filme ou documentário satisfatório sobre rock'n'roll bands. Abriu duas excepções: Don’t Look Back (1967), de D.A. Pennebaker – a digressão de Bob Dylan, por terras de sua majestade, em 1965 - e This Is Spinal Tap (1984), de Rob Reiner – sátira às bandas de hard-rock. Não vi nenhum deles, mas fui sempre um entusiasta de filmes que tivessem compositores, músicos, movimentos musicais como tema central. Amadeus (1984), de Milos Forman, e Bird (1988), de Clint Eastwood, respectivamente sobre Mozart e Charlie Parker, são excelentes filmes. Há, no entanto, que distinguir o documentário do filme biográfico, o filme biográfico da ficção com conexões mais ou menos evidentes à realidade. Singles, tal como Velvet Goldmine (1998), de Todd Haynes, são ficções. Este último, quanto a mim, funciona igualmente como um excelente retrato do movimento glam rock, sendo as ligações a David Bowie e Iggy Pop mais do que evidentes. The Doors (1991), de Oliver Stone, e Shine (1996), de Scott Hicks, são filmes biográficos. O primeiro, por sinal, muito fraco. Talvez por se ter colado em demasia aos aspectos grotescos da vida do vocalista da banda em causa. O segundo, sobre a vida do pianista David Helfgott, é bastante comovente e consegue fazer esquecer as insuficiências que corrompem algumas fitas do mesmo tipo. Documentários… há muitos. Seria exaustivo enumerá-los. Acontece que mais recentemente tem surgido um conjunto de filmes do género que me parecem francamente razoáveis. 24 Hour Party People (2002), de Michael Winterbottom, faz com a vaga pop de Madchester o que Singles não logrou fazer com a moda grunge. No centro das atenções está Tony Wilson – que voltaremos a ver no filme de Anton Corbijn sobre os Joy Division -, o homem que revolucionou a indústria da musica pop britânica com a sua Factory Records. É um filme ágil, divertido, com um senso abertamente lúcido da ausência de lucidez que caracterizou a maior parte das bandas que passaram pela Factory Records. Em 2005, Gus Van Sant ensaiou os últimos dias de Kurt Cobain em Last Days. É uma das películas mais melancólicas de Van Sant, mas também uma das mais belas, em planos lentos que contrastam com a música acelerada saída do corpo da personagem central. Não há-de ser fácil, e será sempre arriscado, viajar ao interior da mente de um suicida, viajar por dentro de uma personalidade auto-destrutiva e captar-lhe os dramas sem os tornar absurdamente trágicos. Last Days fá-lo muito bem. Será que o vocalista dos Nirvana teria gostado? Walk the Line (2006), de James Mangold, é um magnífico registo da história de amor que uniu Johnny Cash & June Carter. Joaquin Phoenix interpreta o músico norte-americano numa recriação mais que perfeita. Está lá tudo: a relação mal resolvida com o pai, os dramas do divórcio num meio conservador, a insistência num amor que parecia impossível, os excessos, o sentimento de culpa, etc. Por acaso, ou talvez não, algo muito parecido se passa em Control (2007), de Anton Corbijn. Dedicado à vida efémera de Ian Curtis, o vocalista dos Joy Division, que aparece aqui retratado como um frágil rapaz dividido entre o amor da mulher e da filha e uma paixão pela amante, Control é um filme esteticamente perfeito. Isto apesar dos dramas que levaram o protagonista a um final trágico não terem sido filmados com a destreza vislumbrada em Last Days. Não admira, tratando-se, segundo sei, da primeira longa-metragem de Corbijn. Também no ano passado, o francês Olivier Dahan ofereceu-nos La Môme, onde Edith Piaf aparece surpreendentemente recriada por Marion Cotillard. Trata-se de um registo biográfico que vai das privações da infância aos excessos da vida adulta, dando especial enfoque à relação da cantora francesa com o pugilista marroquino Marcel Cerdan. Radicalmente diferente é I'm Not There (2008), de Todd Haynes: Bob Dylan interpretado por seis personagens distintas que nos propõem outros tantos ângulos diversos sobre a vida do songwriter norte-americano. É um filme algo confuso que, ainda assim, capta bem as inúmeras contradições na vida do autor de Blowin' in the wind. João Lopes chamou-lhe antibiografia. Se o género pega…
2 Comments:
uma bela análise. A figura de Jim Morrison foi, de facto, deturpada no filme.
Adorei o "Bird". Normal, sendo grande adepto de jazz. De Eastwood. E de Whitaker.
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