20.9.08

APRENDER A CONTAR #5

UM ARTISTA

Um artista nasceu e olhou à sua volta em busca de ideias. Mas — coisa curiosa — ganhou logo experiência, e concluiu: "Primeiro preciso de ter dinheiro suficiente, a arte virá depois." Continuou a observar o mundo; porém, em vez de extrair dele imagens e cores, estudou com olho de lince o que poderia servir os seus interesses. Depois, quando já dispunha de dinheiro, pensou que tinha chegado o momento de deixar agir a alma de artista que estava ciente de possuir, e aguardou as imagens, as cores e as ideias. Mas elas não chegaram, e ficou só e desesperado com o dinheiro, quando o desejo que sentia pela única vida dotada de alma — a do pensamento — já não lhe permitia que o fruísse. Então pensou: "Talvez seja o peso do dinheiro que faz lastro e me retém como uma amarra." Delapidou-o de imediato e ficou à espera que o seu destino recobrasse vida. Mas, mesmo assim, não se sentiu satisfeito, porque tinha o espírito constantemente ocupado com a lembrança do dinheiro que havia ganho e daquele outro que esbanjara. Quando morreu, cheio de tristeza perguntou ao Criador:
"Porque me fizeste crer que me haviam dado uma alma de artista?”
E o Criador respondeu-lhe: "A alma que neste momento vem até mim é efectivamente a de um artista, mas esqueceste-te de trazer contigo o corpo a fim de se ver por que razão a tua alma foi asfixiada por ele.
— Cheirava tão mal, disse o artista, que não era possível trazê-lo comigo.
— Pois eu creio que já fedia antes", disse o Criador.

Londres, 25 de Julho de 1920

Ítalo Svevo (1861-1928), Fábulas, trad. Célia Henriques, pp. 26-27, &etc, 2001.

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