11.3.06

Uma pérola do tratamento jornalístico

Vem no Público de hoje, assinada por Joana Ferreira da Costa:

«As autoridades de saúde, juntamente com um grupo de peritos, fizeram um levantamento dos portugueses considerados essenciais para “manter o tecido social a funcionar” durante a fase mais aguda da eventual (mas considerada inevitável) pandemia provocada por um novo vírus da gripe.»

A propósito destes desenvolvimentos sobre a eventual (mas considerada inevitável) pandemia da gripe, também eu me abalancei em indagações sobre quais os cem mil portugueses mais essenciais que os restantes. Mas depois considerei que o verdadeiro tema não é esse. O verdadeiro tema é a «manutenção do funcionamento do tecido social». Quem é que quererá manter uma coisa destas? Vocês já repararam bem na contradição, no paradoxo que se avizinha! A gente vai ter de escolher cem mil portugueses eventuais (mas considerados inevitáveis) para a manutenção do que, julgo eu, mais queríamos fazer desaparecer: o actual funcionamento do denominado tecido social. Sem pretender parecer cínico, fui mais uma vez servir-me dos ensinamentos do grande Albino Forjaz Sampaio. Segundo tão dota inteligência, como sabeis, «para triunfar, é preciso ser mau, muito mau.» É preciso ser cínico, hipócrita, egoísta, raivoso, desonesto, canalha, crápula, vil, patife e todas as demais qualidades facilmente reconhecíveis num português eventualmente (mas considerado inevitável) fundamental. Onde estarão esses nossos cem mil portugueses? Onde param eles? Dir-me-ão, os mais cínicos que eu, que disso é o que para aí não falta. Pois bem: só essa, mais nenhuma, é a verdadeira dificuldade com que nos deparamos. Tal como o mister Scolari tem demonstrado dificuldades na formação da nossa selecção de futebol, dada a proliferação de talentos da bola em território nacional, prevejo eu iguais dificuldades na selecção futura de cem mil canalhas eventuais (mas considerados inevitáveis) para a manutenção do funcionamento do nosso querido tecido social. Maus tempos se avizinham, pois, caros (con)cidadãos. Eu, se fosse vossas excelências, começaria quanto antes a confeccionar a mais variada indumentária com o tecido que, tudo leva a crer, só estará disponível, dentro em breve, para cem mil eventuais (mas considerados inevitáveis) ilustres portugueses.

3 Comments:

At 6:19 da tarde, Anonymous Anónimo said...

eh eh eh
Stela

 
At 7:10 da manhã, Anonymous Anónimo said...

A história rectificará certamente,pela mão dos seus revisionistas de serviço. Mas julgo que é hora de lutar contra essa coisa errada e irracional chamada estado. Não só o social, o dito providência, mas todo ele. Hora de investir nos lugares, vilas e comunidades locais de pessoas que efectivamente se conhecem. Hora de desprezar os homens e mulheres bidimensionais e plásticos que, em essência, não existem nem nunca existiram. Hora de juntar as múltiplas identidades humanas numa identidade global feita de proximidades e do calor humano dos homens e mulheres que efectivamente se relacionam. Merda pois para o ciberespaço. Merda pois para os satélites e as demais invenções de uma modernidade escravizante. Em muitos séculos que virão, esta pode ser a última oportunidade para nos afirmarmos autenticamente, como seres vivos herdeiros de uma história sem paralelo conhecido em todo o universo.

 
At 8:03 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Pois, o antigamente, dos analfabetos a irem para trolhas e sopeiras é que era bom!
Havia muita rapariguinha que vinha sopeirar dos campos para a cidade, com 10 e 11 anos, nos anos 40, 50, 60 e era "empistolada" pelo patrão pelos filhos varões.
Os aprendizes de qualquer arte (trolha, marceneiro, canalizador, modista, alfaiate) iam de graça "aprender a arte" e levavam pancada dos "mestres" e "mestras". E muitas vezes esfregar-lhe a casa e tratar do quintal. Só que nessa altura ninguém falava de pedofilia...nem de trabalho infantil.

Portanto, deixem-se de loas às comunidades sem Estados fortes, laicos e democráticos. Aliás, quem nunca saiu desta choldra (cf. Eça) e não viveu em países civilizados e organizados, onde se sabe, que a rua interessa a todos e não é o vazadouro das escarretas e do cócó do cão, é melhor deixar-se de jaculatórias...

Nos anos 60 começou a emigração "a salto" para França, tal era a fome e a falta de tudo...SOBRETUDO DE INFORMAÇÃO GLOBAL E CONSCIÊNCIA CULTURAL E CRÍTICA; que é o que a pirosidade mental portuga não pratica.

 

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