26.8.05

Fragmento # 11 - Metáforas

A natureza, tu não queres que me vá embora, mas é a ordem natural das coisas. Aceleras o carro, dizes que temos de ficar juntos para sempre. Mais uma vez te respondo que é um romance já escrito. Abrandas. Digo-te que tenho os pés no chão, respondes-me que isso é uma bela metáfora. Os pés no chão. Todas as línguas são compostas por metáforas mortas, as imagens são as metáforas vivas, as palavras são meras sombras ruidosas dos relâmpagos no interior do cérebro. As imagens são aparições velozes e silenciosas e o som segue-as de um modo ameaçador. O interior da minha cabeça está coberto de nuvens densas, carregadas de imagens fragmentadas, a boiarem. Tudo pode rebentar a qualquer momento. Resta-me algum sangue-frio, é o instinto de sobrevivência. Por mais que se diga o contrário, a lei da sobrevivência é mais forte. A calma é necessária, estou a respirar. Perguntas-me porque é que a natureza nos tira tudo, respondo porque é maravilhosa, ela oferece-nos tudo e ainda não vistes isso. Estava escuro. Saímos na noite a chover, deambulando pelas ruas estreitas da cidade. A tua mão na minha em casa. Tremias no frio por dentro e eu não temia. Agora temo os meus pés aqui. As pedras molhadas na calçada. As minhas mãos estão sempre quentes a escrever. As minhas mãos seguem agora os passos nas pedras do chão nas ruas estreitas da cidade, onde sincronizaram os nossos corpos molhados na chuva da noite. Entramos dentro do carro, aceleras de um modo absurdo. Digo que quero ir para casa, respondes que me queres a teu lado, para sempre. Fico furiosa, vais em direcção a Sintra, a sair de Lisboa, vertiginosamente. Na subida do viaduto, o carro falha aos soluços. Fico assustadíssima, o carro pára a meio do viaduto, só faróis por todo lado, vêm largados, não se sabe bem donde. Abres a porta, grito para teres cuidado e chamo-te meia dúzia de nomes. No meio daquela confusão, encostas o carro na berma. As minhas pernas tremem, lá consigo sair do carro. Caminhamos pela berma, só vejo faróis furiosa.
Maria João

2 Comments:

At 12:18 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Encontro-me só na estrada deserta, numa noite abafada de verão, o calor é insuportável e a escuridão acolhedora. Sigo sem rumo, sempre em frente, a paisagem constante e monótona parece chamar-me. Uma leitosa lua derrama a sua luz fantasmagórica neste terreno como uma intensidade assombrosa. Saio do carro incapaz de resistir ao apelo desta terra desolada, pequenos arbustos rasteiros e espinhosos pontuam o solo aqui e ali. Levo a minha mão à terra e deixo a areia e a poeira escorrer pela minha mão, pó. Sinto a sujidade nas minhas mãos e sinto prazer nisso. Encantado ainda pelo estranho mundo revelado pela lua o tempo passa por mim, uma sensação de pertença. Sente-se a presença do mar, talvez atrás daquelas montanhas. Sigo, desta vez a pé em direcção a sitio algum, pela argila ressequida e gretada, tal como na vida, sem deixar pegadas.

 
At 3:11 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Lodestar,
Como a vida. Obrigada.
Maria João

 

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