12.12.05

Comentário ao comentário # 2

A Maria João deixou-se espicaçar por este post. Ainda bem. Mostra, entre outras coisas, um sentido de indignação que é cada vez mais raro num país de gente amorfa e passiva, de gente tá-se bem. As questões por ela levantadas merecem-me alguns esclarecimentos: Ponto 1: A intenção do post intitulado Na Companhia do Mil Folhas é chamar a atenção para o despropósito da publicidade atribuída à iniciativa em causa. A Maria João começou logo por revelar, e fez muito bem, que dá aulas de iniciação à pintura na Companhia do Eu. Ora bem, pergunto eu então: por que não um texto no Mil Folhas sobre as várias iniciativas da Companhia do Eu em vez daquela publicidade a uma iniciativa específica (por acaso) de um dos colaboradores do suplemento em causa? Parece-me, no mínimo, pouco ética, do ponto de vista jornalístico, a opção feita. Ponto 2: Nada me move, antes pelo contrário, contra projectos como a Companhia do Eu (o que seria um contra-senso, dado já termos aqui divulgado a mesma). Mais fossem eles (os projectos) e, não duvido, melhor andaria este mundo. No entanto, há qualquer coisa que me move, isto é, que me indigna: os privilegiados. Consigo imaginar as dificuldades que o Pedro Sena-Lino deverá sentir em erigir a Companhia do Eu. Digo mais, o trabalho dele seria desnecessário se tivéssemos uma política de ensino artístico como deve de ser. Mas com tanta iniciativa, porquê privilegiar, do ponto de vista da divulgação, a do Pedro Sena-Lino? Só por isso me referi aos que não necessitam bater a portas para que elas lhes sejam abertas. Sei muito bem como as coisas funcionam, como as simpatias e as atençõezinhas ajudam a abrir portas. Agora não me peçam que não considere isso injusto relativamente aos que não merecem as mesmas atençõezinhas. Ponto 3: Apesar de me considerar tacanho em muitas matérias, não me considero o suficiente para pôr em causa o ensino das artes (sejam elas quais forem) por razões anti-mercantilistas. Repito: eu não me revejo nessa atitude, mas sobretudo não me arrogo no direito de julgar quem se reveja. Vivemos num país livre, felizmente, cuja riqueza fundamental é a liberdade de pensamento e a liberdade de iniciativa. A remuneração é um direito de quem trabalha, de quem presta um serviço. O que é trabalho e serviço é relativo a quem o avalia. Ponto 4: Termino então desculpando-me pela minha tacanhez assumida no que respeita a outras matérias: o ensino da poesia. Consigo imaginar Van Gogh a ter aulas de pintura, mas não consigo imaginar, perdoem-me, Pessoa a ter aulas de poesia. Isto prende-se a um velho preconceito, muito meu (mas não só), que não consigo combater: a intransmissibilidade do sentido do poético. Não se trata de considerar divinas coisas que o não são. Era o que mais faltava! Logo num ateu incorrigível… Nem se trata de negar a existência de aspectos técnicos na feitura de um poema. Trata-se de olhar para a poesia de uma forma simplista, ou seja, como eu julgo que ela deve de ser olhada. Poesia = Respiração. Talvez o Pedro Sena-Lino pretenda ser um instrutor de respiração, talvez ele, e os outros que se dedicam à mesma actividade, não pretendam outra coisa que não seja praticarem respiração assistida. Digo-o, sem ponta de ironia. Mas eu julgo que só a solidão pode ensinar alguém a respirar. E que essa solidão não é, em nenhum caso, substituível por um mentor, instrutor, formador, encaminhador, o que seja... São estes os meus dogmas. Estão confessados...

2 Comments:

At 2:32 da tarde, Blogger MJLF said...

Henrique,

Agora que já passou a fúria, fiquei com um desconforto um bocado parvo – de facto o teu post denuncia uma situação bastante estúpida e não era nenhum ataque pessoal, eu sou tonta e fui logo de armas e bagagens defender o Pedro, nem estava a raciocinar direito. Caramba, isto é mau feitio e reajo assim com as pessoas que gosto, deixo de ver ou pensar. Tu como tens bons princípios mantiveste a opinião e reescreveste o post retirando o que poderia levar a equívocos na leitura – é uma ginástica mental difícil de fazer e isso leva a que eu admire e te respeite ainda mais. Desculpa as minhas infantilidades.
Maria João Lopes Fernandes

 
At 2:47 da tarde, Blogger hmbf said...

Maria João, o que é bom princípio é defendermos os nossos amigos, as pessoas de quem gostamos, quando os sentimos injustiçados, mesmo que não seja esse o caso. Agora que as tréguas foram restabelecidas e os mimos divididos, venham de lá esses posts!!!!! ;-)

 

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