Identidade, discriminação e combate
Num post de antologia, o Afonso afirma que os heterossexuais raramente se declaram enquanto tal, preferindo a afirmação pela ilustração, ou seja, o heterossexual nunca se afirma heterossexual, diz que gosta de gajas. Não creio que isso seja necessária e somente assim, até porque o que vou constatando é cada vez mais a afirmação da identidade pela negação do seu oposto. Isto é, a afirmação da identidade, em quem sente necessidade de a afirmar, faz-se frequentemente pela inferiorização do pólo identitário oposto. Assim, o heterossexual não é apenas aquele que gosta de gajas como é também aquele que odeia gays. Este tipo de fenómeno, bem mais frequente do que se julga, tem-me sido especialmente constatável junto dos adolescentes. Num tempo em que estas questões já deveriam estar ultrapassadas, o que eu vou notando é uma afirmação da masculinidade (confundida com heterossexualidade) pela enfatização da repulsa que o comportamento homossexual causa. É frequente ter alunos/formandos que me dizem, aquando da discussão de matérias relacionadas com tipos de discriminação, coisas do género: «Pretos ainda vá que não vá, agora gays e ciganos é que nem pensar!» O fenómeno é muito mais visível nos rapazes e assume contornos, por vezes, bastante preocupantes. Mesmo aqueles que se mostram menos radicais, à questão: «E se um gay te tentasse seduzir?» - é quase sempre dada uma resposta agressiva do género: «Partia-lhe a cara». Isto quer dizer que da parte do heterossexual não há ainda uma consciência da homossexualidade como comportamento sexual aceitável, o que leva à "guetização" dos membros de um grupo que é visto como anómalo pelo grupo oposto. Dito de outra forma: se um gay quiser engatar, deverá ir para uma discoteca gay, porque assim tem a certeza que não corre o risco de ser agredido por ter tentado seduzir um hetero – como se isso fosse comportamento criminoso. Vejamos, não passa pela cabeça de nenhum rapaz hetero agredir uma rapariga que o tente seduzir, mesmo que não seja isso que ele pretenda; mas outra resposta não se deverá dar a um homo que arrisque seduzir um hetero (como se estas classificações identitárias viessem estampadas na testa dos indivíduos), mesmo se este andar claramente no engate, porque dá-la é a afirmação máxima duma suposta masculinidade. Aquilo que parte substancial da sociedade espera de um jovem heterossexual que seja alvo de sedução por parte de um gay é tudo menos uma resposta que denote "mariquice". A dificuldade da resolução deste problema, que tem na sua origem, julgo eu, fenómenos complexos de transmissão cultural e de educação no contexto familiar (na nossa sociedade perduram os imaginários de perversidade, promiscuidade, aberração e anormalidade em torno da comunidade homossexual) justificam, eu diria mesmo exigem, um combate persistente por parte das comunidades discriminadas e daqueles que não se revêem minimamente em quaisquer actos de discriminação negativa. Porque a identidade não é fruto da cabeça de um génio criador, nem resulta da determinação de um gene ditador, mas é consequência de um diálogo complexo e permanente entre agentes biológicos, culturais e sociais.
1 Comments:
isso mesmo. identidade e uma construcao permanente e nossa, ou seja, de todos (o que implica liberdade e responsabilidade) O lado da "construcao social" dos fenomenos nunca e mostrado nas escolas, que se concentra em argumentos de autoridade (o grande escritor, o heroi, o grande homem, etc.) Rui Costa
Enviar um comentário
<< Home