26.1.06

A Sábado

A Sábado é uma bela revista de direita. Qualquer esquerdista que se preze, devia ler a Sábado. Não que me considere um esquerdista que se preze, mas procuro sempre ler a Sábado todas as semanas. É a minha mulher quem a assina, sou eu quem primeiro a lê. A semana passada um CD de Ray Charles acompanhava a revista, esta semana foi a vez de James Brown. É claro que os CDs são apenas um complemento que até passa despercebido perante os conteúdos magníficos da Sábado. A Sábado, como é sabido, sai às quintas-feiras, o que não a impede de ser Sábado. Esta semana o editorial faz jus à frequente ambiguidade dos conteúdos: «Há uma qualidade que ninguém pode negar a Cavaco Silva. O novo Presidente da República acredita que o cargo serve para alguma coisa e não apenas para viagens com grandes comitivas ao estrangeiro e longos discursos sem conteúdo. Mas há também um defeito que dificilmente se pode negar a Cavaco Silva. O novo Presidente da República acredita que o cargo serve para alguma coisa e não apenas para viagens com grandes comitivas ao estrangeiro e longos discursos sem conteúdo.» É precisamente este cariz ambivalente o que mais aprecio na Sábado. Dos cronistas de serviço, leio sempre com (en)fado o Professor José Pacheco Pereira. Esta semana, o olhar que lança sobre as «teorias do mau perder» deixou-me, confesso, com água na boca: «Denegação, cegueira, bodes expiatórios, teorias bizarras de desculpa, traições, manobras de cinismo, punhais nas costas, snobismo, tudo vem ao de cima para negar a vitória de Cavaco Silva ou para descrever o país “broeiro”, provinciano, atrasado, inculto, que a explica.» Quanto ao país «“broeiro”, provinciano, atrasado, inculto» já tudo sabemos. José Pacheco Pereira tem sido formidável na denúncia do mesmo. Quanto ao resto, o tom conspiratório do costume. Reminiscências maoístas, dirão os incautos. Por mim vou antes numa teoria, não do mau perder, mas do mau ganhar. Ninguém fala da teoria do mau ganhar, a teoria da altanaria com que se passa um dodot pelo cuzinho da vitória? Ninguém nega o inegável: a vitória do stôr carranca. Quem poderia fazê-lo? Um tontinho? Negam-se adjectivos como «esmagador», «arrasador», etc, que, a serem levados com seriedade, fazem das vitórias precedentes cataclismos sem emenda. Vamos a números: inscritos: 8835037; votantes: 5531265; dos votantes, 2746689 votaram no stôr carranca; dos votantes, 2784576 votaram noutros candidatos, em branco, ou nulo. Ou seja, são mais os que, votando, não votaram no stôr carranca do que aqueles que votaram no stôr carranca. Extrapolar esta miséria, de um Presidente da República em quem mais de metade dos eleitores-votantes não votou, sai caro num país cada vez mais «“broeiro”, provinciano, atrasado e inculto». O melhor é mesmo passar umas páginas à frente e procurar o que nos reserva Nuno Rogeiro para esta semana. O quê? «Folk progressivo? Vanguarda poética? Neopunk?» Porra, que nunca mais é sábado…

2 Comments:

At 12:34 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Uma vez comentaste algo no meu blogue acerca do termo «provinciano» (acho que foste tu). Eu nasci na província, gosto da província e também nunca entendi por que é usado pejorativamente.

Mas «broeiro» acho o máximo.

 
At 10:07 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Sim, lembro-me desse comentário. O tom aqui é irónico. É claro que eu, tal como tu, também nasci na província e gosto da província. A ponto de viver na província. O mesmo se passa com o Professor José Pacheco Pereira que vive aqui bem perto, na bela Vila da Marmeleira (Rio Maior).

 

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