25.1.06

A puta da boa educação

...nada / é a Moral do bom senso de uma / comunidade passiva...
Pier Paolo Pasolini
Não me recordo em qual foi, mas foi num daqueles programas para os quais as pessoas telefonam com o intuito de opinarem em directo. Com o intuito de se ouvirem, por intermédio amplificador da vaidade individual. Em qual terá sido? Não me recordo. Foi alguém que telefonou e disse: «Cavaco foi o único que fez uma campanha bem-educada.» Tenho a considerar que se a boa educação implica o silêncio, então a boa educação é uma merda. Sim, sou mal-educado. Tenho espírito crítico, educaram-me assim para a má educação. Gosto de discutir olhos nos olhos, de dizer o que penso sem medo das represálias. Gosto de pensar que as represálias não acontecerão porque digo o que penso. Trinta anos, senhores. Trinta anos e mais um depois da ditadura, para que a boa educação seja ficar calado, fecharmo-nos num silêncio atroz, mortífero, sem ponta por onde se lhe pegue. Trinta anos para isto. Todos os dias venho notando nas pessoas a agonia desse espírito crítico que, julgava eu, era o princípio da boa educação. Mas não. A boa educação é uma vénia do pensamento, elogiar com sagaz pretensão, palmadinha nas costas, sopro ao ouvido, és o maior. Que porra de país de indigentes! Eu sou pela má educação, serei sempre pela má educação, se a boa educação for ficar calado, de olhos ferrados no chão, hirto de medo e incómodo, esquivo, arrumado ao lado do debate, da discussão, da polémica. Por que convivem tão mal algumas pessoas com a crítica? O que temerão elas? Eu bem tinha previsto. Os portugueses gostam dos coitadinhos, dos desprotegidos, dos frágeis, daqueles que revigoram a miséria das suas vidas. Os portugueses gostam dos tadinhos, vislumbram na miséria dos outros a sua própria terapia. Enredados na modorra do «sim, senhor doutor», esses portugueses que se curvam são o espelho do que há de pior entre nós: a boa, exuberante, comovente, educação servil.

3 Comments:

At 7:05 da tarde, Anonymous Anónimo said...

P.S.: as generalizações são apenas para simplificar, assumindo-se desde logo serem simplistas. fruto da nossa (minha) desgraça.

 
At 10:32 da tarde, Blogger Woman Once a Bird said...

Não se privilegiou a boa educação. Privilegiou-se o vazio de ideias. Olhos postos na economia do outro (de forma a capitalizar o próprio). Na minha perspectiva, espelho do individualismo que nos (des)une.

 
At 1:14 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Recordo uma frase do pai da múmia durante a campanha:
«O meu filho é um catedrático. Não é um veterinário qualquer.»

 

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