8.2.06

O PENTE

Uma toalha é uma criada
O sabão serve sem se opor
A esponja sábia é uma escrava
Já o pente, não - é um senhor.


Pois é, Madame, o pente é um lorde
De grande e raro resplendor.
Sujo no corpo, é de alma nobre,
Madame, o pente é um senhor.


- O quê? O pente, esse borrado?
Essa dentuça com fedor?
- Vamos lá a ver: ele é culpado?
Não. Em verdade, ele é um senhor.

Se não estiver limpo de todo,
Culpado sempre é o possuidor
De caspa e couro cabeludo...
O pente, não, porque é um senhor.

A culpa é só de quem o usa,
Sem reparar no seu valor;
A culpa, tem-na quem o suja
E não o pente, que é um senhor!

A mão é bem serva do pente,
Ou suja ou limpa: o que ela for
O pente o mostra e não atende
Ao que aparece - ele é um senhor.

Ele dá cuidados à cabeça
Mas pela mão do possuidor:
Sem fazer nada: essa é que é essa
Ele não precisa - ele é um senhor.

Tem seu poder, pode mandar,
Mas não se importa com impor
-Tem por divisa deixar estar.
O pente sabe que é um senhor.

Tem o poder da espada, o pente
Mas não é nada um lutador,
Embora odeie realmente,
Porque o que ele é, é um senhor.

Os finos dentes de que é feito
Dão-lhe o gentil ar de uma flor.
Se a dona é moça de respeito,
É fácil ver que ele é um senhor.

Seja quem for a negar isso,
Pra o pente, é só um falador.
O pente deixa dizer tudo,
Não olha a nada - ele é um senhor.

Por mim não nego tal verdade.
Seria coisa sem sabor
Ou com sabor a falsidade...
Eu sei que o pente é que é um senhor.

Do pente sujo, os finos dentes
Cada manhã canto o louvor,
Ardentemente, humildemente...
Eu sou seu servo. Ele é o senhor.

Tradução de Manuel João Gomes.
Germain Nouveau (1851-1920)
Germain Nouveau nasceu em Pourrières em 1851. Funcionário do Ministério de Instrução Pública, foi exonerado por causa de um duelo burlesco com um colega. Seguiu carreira como professor de francês e de desenho. Da sua obra, resta apenas o que resistiu a um acesso de fúria que levaria à destruição e renúncia de grande parte do que escrevera. Valentines, de 1921, é o livro mais célebre. Segundo Breton, Nouveau, de quem Arthur Rimbaud foi amigo e cúmplice, «foi metido num hospício de Bicêtre durante uns tempos». Após peregrinações a Roma e Santiago de Compostela, «passou os últimos quinze anos da vida a assombrar as igrejas da Provença com o vulto de São Bento Labre, o santo coroado de piolhos que escolheu como émulo.»