O PENTE
Uma toalha é uma criada
O sabão serve sem se opor
A esponja sábia é uma escrava
Já o pente, não - é um senhor.
Pois é, Madame, o pente é um lorde
De grande e raro resplendor.
Sujo no corpo, é de alma nobre,
Madame, o pente é um senhor.
- O quê? O pente, esse borrado?
Essa dentuça com fedor?
- Vamos lá a ver: ele é culpado?
Não. Em verdade, ele é um senhor.
Se não estiver limpo de todo,
Culpado sempre é o possuidor
De caspa e couro cabeludo...
O pente, não, porque é um senhor.
A culpa é só de quem o usa,
Sem reparar no seu valor;
A culpa, tem-na quem o suja
E não o pente, que é um senhor!
A mão é bem serva do pente,
Ou suja ou limpa: o que ela for
O pente o mostra e não atende
Ao que aparece - ele é um senhor.
Ele dá cuidados à cabeça
Mas pela mão do possuidor:
Sem fazer nada: essa é que é essa
Ele não precisa - ele é um senhor.
Tem seu poder, pode mandar,
Mas não se importa com impor
-Tem por divisa deixar estar.
O pente sabe que é um senhor.
Tem o poder da espada, o pente
Mas não é nada um lutador,
Embora odeie realmente,
Porque o que ele é, é um senhor.
Os finos dentes de que é feito
Dão-lhe o gentil ar de uma flor.
Se a dona é moça de respeito,
É fácil ver que ele é um senhor.
Seja quem for a negar isso,
Pra o pente, é só um falador.
O pente deixa dizer tudo,
Não olha a nada - ele é um senhor.
Por mim não nego tal verdade.
Seria coisa sem sabor
Ou com sabor a falsidade...
Eu sei que o pente é que é um senhor.
Do pente sujo, os finos dentes
Cada manhã canto o louvor,
Ardentemente, humildemente...
Eu sou seu servo. Ele é o senhor.
Tradução de Manuel João Gomes.
Germain Nouveau nasceu em Pourrières em 1851. Funcionário do Ministério de Instrução Pública, foi exonerado por causa de um duelo burlesco com um colega. Seguiu carreira como professor de francês e de desenho. Da sua obra, resta apenas o que resistiu a um acesso de fúria que levaria à destruição e renúncia de grande parte do que escrevera. Valentines, de 1921, é o livro mais célebre. Segundo Breton, Nouveau, de quem Arthur Rimbaud foi amigo e cúmplice, «foi metido num hospício de Bicêtre durante uns tempos». Após peregrinações a Roma e Santiago de Compostela, «passou os últimos quinze anos da vida a assombrar as igrejas da Provença com o vulto de São Bento Labre, o santo coroado de piolhos que escolheu como émulo.»
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