1.2.06

SÚPLICA A MINHA MÃE

É difícil dizer com palavras de filho
aquilo a que intimamente bem pouco me pareço.

És a única no mundo que sabe o que esteve sempre
no meu coração, antes de qualquer outro amor.

Por isso tenho de dizer-te o que é horrível saber:
é na tua graça que nasce a minha angústia.

És insubstituível. Por isso está condenada
à solidão a vida que me deste.

E eu não quero estar só. Tenho uma fome infinita
de amor, do amor de corpos sem alma.

Porque a alma está em ti, és tu, mas tu
és minha mãe e o teu amor é a minha servidão:

vivi a infância como escravo desse sentimento
supremo, irremediável, de um fervor imenso.

Era a única maneira de sentir a vida,
a única cor, a única forma: agora terminou.

Sobrevivemos: e é o caos
de uma vida que renasce fora da razão.

Suplico-te, ah, suplico-te: não queiras morrer.
Estou aqui, sozinho, contigo, num Abril futuro…
Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo.

Pier Paolo Pasolini

Pier Paolo Pasolini nasceu a 5 de Março de 1922 em Bolonha. Ainda antes de terminar a licenciatura em letras, em 1945, publicou a expensas próprias uma colectânea de poemas em dialeto friulano: Poesias a Casarsa (1942). Em 1943 refugiou-se em Casarsa para fugir à chamada no exército. Depois da tese de licenciatura, leccionou numa escola de Valvaslone e fundou a Academia de língua friulana. É dessa época o aprofundamento das teorias de Gramsci e de Marx, que culminará com a adesão ao Partido Comunista em 1947. No ano seguinte é condenado por desvio de menores, exposto a escândalos sexuais e perseguido. Abandona o PCI e segue para Roma. Tempos difíceis, de deambulação pelos bairros miseráveis da cidade. Publica as suas poesias friulanas, um jornal poético, colabora em revistas e como argumentista, sai o primeiro romance: Ragazzi di vita. Segue-se um longo processo por obscenidade, perseguições judiciárias, escândalos vários. Em 1957, data da publicação de Le ceneri di Gramsci, atribuem-lhe o prémio de Poesia em Viareggio. A década de 1960 será marcada pela dedicação ao cinema, mais processos, denúncias e perseguições. A 2 de Novembro de 1975, culminará, com o seu assassinato, uma vida de luta contra todos os preconceitos sociais, políticos e estéticos.