Maravilhoso título, maravilhoso
Vem no Diário de Notícias da passada sexta-feira: «Bancada do PS avança com aborto a 15 de Setembro». Bastaria acrescentar «lei do» antes de aborto e tudo seria diferente. Mas não. O jornalista que assina a peça, Francisco Almeida Leite, preferiu este exercício de subtileza. A gente, que é boa gente portuguesa, faz como a maioria: fica pelas gordas. No que dá? Lá para Setembro haverá remodelações na bancada parlamentar do PS? O PS vai acabar em Setembro? Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina será a nova líder da bancada parlamentar do PS? Ou será antes Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque? Não sabemos. Cada bom português, desses que ficam pelas gordas, tal como eu, que puxe pela sua imaginação. Confesso que a primeira coisa que me veio à ideia foi o desejado, ambicionado, tanto quanto disfarçado, desmancho do deputado Manuel Alegre de Melo Duarte. A vingança apronta-se lá para meados de Setembro, quando a malta, amainada pelas férias, nem sequer der pela falta do dito. Por outro lado, bem, por outro lado, o artigo vem acompanhado de uma fotografia. Por baixo daquele título, logo ali à mão, uma fotografia de Manuel Maria Carrilho, ao centro, António Costa, à esquerda, e Alberto Martins, à direita. Há ainda um cidadão obscuro, sinistro, a espreitar por cima do ombro de António Costa. É o carrasco. Só pode ser o carrasco. É o homem das mãos sujas, o enfermeiro, o abortador. Afinal António Costa e Alberto Martins preparam-se para fazer a folha a Carrilho. Está explicada a elipse do título. Maravilhoso e poético título, maravilhoso. Dos tais que perderia toda a tensão e densidade se assumisse a sua verdadeira forma: «Bancada do PS avança com aborto de Carrilho a 15 de Setembro». Afinal este é um título-exemplo que traz ao jornalismo a concisão elíptica da melhor poesia portuguesa contemporânea.
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