1.3.06

PANFLETO CONTRA O PANFLETO


(sob a forma de conselhos a um jovem poeta)

Se uma imagem te surge no lance de um poema
usa-a para o amor – jamais para a política.

Há sempre a pôr em verso duas coxas;
há sempre um coito, real ou imaginado,
com que esquives armadilhas panfletárias.

Os campos de concentração, as guerras,
os estados de angústia, não abundam
a arte em que propões engrandecer-te.

Fala do teu exílio, da infância perdida,
do castelo em que vives após o escritório.

Não te é vedado o rumo das flores, mas sempre
longe da campa de inúteis fuzilados.
Desabrocha-as no orvalho. Elas servem
para iluminar o quarto… aquele… tu sabes!

Se recorres às rosas faze que sejam brancas
e elimina as papoilas por motivo igual.
Não despistes a caneta em perigos inglórios:
os caçadores de símbolos
são graves e desconfiados.

Egito Gonçalves

Egito Gonçalves nasceu em Matosinhos no ano de 1920. Poeta, editor e tradutor, publicou os primeiros livros na década de 1950. Teve como actividade profissional a administração de uma editora. A sua intensa actividade de divulgação cultural e literária concretizou-se, a partir dos anos 50, na fundação e/ou direcção de diversas revistas literárias, como A Serpente (1951), Árvore (1952-54), Notícias do Bloqueio (1957-61), Plano (1965-68; publicada pelo Cineclube do Porto) e Limiar. Foi-lhe atribuído o Prémio de Tradução Calouste Gulbenkian, da Academia das Ciências de Lisboa - 1977, com a sua selecção de Poemas da Resistência Chilena e, em 1985, o Prémio Internacional Nicola Vaptzarov, da União de Escritores Búlgaros. Obteve ainda o Prémio de Poesia do Pen Clube - 1995 e o Grande Prémio de Poesia da APE com o seu livro E No Entanto Move-se (1995), obra que teve igualmente o Prémio Complementar Eça de Queirós, da Câmara Municipal de Lisboa. A sua obra encontra-se traduzida em francês, polaco, búlgaro, inglês, turco, romeno, catalão e castelhano. Faleceu no ano de 2001. »