Da inocência
José Miguel Silva opta por mostrar imagens de crianças israelitas a autografarem as bombas que, supostamente, servirão para matar os civis libaneses. Qualquer pessoa poderia mostrar campos de treino de terroristas islâmicos com crianças, para não falar das velhas histórias de rapto de crianças destinadas a sacrificarem-se em nome de Alá. As crianças são sempre uma forma fácil de tornar a miséria mais sensacionalista do que ela já é. Os comunistas também comiam criancinhas ao pequeno-almoço. Todavia, as imagens que José Miguel Silva reproduz não podem deixar ninguém indiferente. Israel, terra santa, educada, baluarte do mundo civilizado no Médio Oriente, a usar métodos de disseminação do ódio em tudo similares aos dos seus inimigos. Serão imagens manipuladas? Mesmo sendo, o que pode pretender alguém de crianças que autografam bombas? Subitamente, lembro-me de um pequeno poema de Cesariny que muito aprecio. Urgente: «As bombas matam porque sofrem duma espécie de doença incurável / que as faz ganhar saúde quando as largam no ar / uma vez expostas à lei da gravidade / e por ela arrastadas para o mundo humano / as bombas precisam de explodir tal como uma criança precisa de urinar / até fazerem um lugar onde fiquem / que se não mova que seja / como um direito a isso / ao pé do deus adulto que lhes deu comida». É por estas e por outras que fico sempre desconfiado quando ouço os comentadores, opinadores, especialistas, decuplicarem o argumento de que «o grande problema é que os moderados no Médio Oriente têm estado sempre à mercê dos radicais». Pergunto-me se, nas altas esferas do poder, ainda existirão moderados no Médio Oriente. Os moderados do Médio Oriente, creio, são cada vez mais as vítimas, os civis, os que estão fartos da guerra, os que (quase) nada decidem. Partindo desse princípio, não consigo entender como é que um país, Israel, com um rendimento per capita de 18 620 dólares, uma mortalidade infantil de 6,9 por mil, pode ser um exemplo de civilidade atacando, a troco de militares, os civis de um país com um rendimento per capita de 6180 dólares e uma mortalidade infantil de 23,7 por mil. A troco de soldados, não se pode justificar a chacina de um país. Daí que a esperança seja já muito ténue. Se a propagação do fundamentalismo nos países islâmicos pode ser explicada, em parte, pela vulnerabilidade dos seus civis («pobres e burros», como ainda ontem ouvi a um português civilizado), já a propagação do fundamentalismo em Israel não é de todo compreensível. Pois aí, quando não eleitos, os civis são ricos e educados. Porém, ao que parece, não menos manipuláveis.
1 Comments:
custa-me perceber como a troco de dois soldados as coisas caminharam até este ponto...
não acho admissivel nem tolerável qualquer espécie de terrorismo, só não acredito que as coisas se possam resolver desta maneira... a violência nunca resolveu nada... Israel consegue com isto aumentar o ódio daqueles que, ficando sem a família que perderam num bombardeamento, não lhes resta muito mais do que oferecer a vida em nome de ala como forma de purgar a raiva e o sentimento de revolta... os bin ladens devem aplaudir israel neste momento, não devem faltar jovens a quererem alistar-se como mártires... enquanto isso o mundo ocidental, no pavor de ser considerado anti-semita (coisas por resolver da segunda grande guerra) tem pena dos civis... coitados...
como tu, henrique, pergunto-me se ainda existem moderados no Médio Oriente... a existirem são os pobres coitados que andam de um lado para outro, onde viver se torna uma espécie de desporto radical (sem rede ou corda para amparar a queda)
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