Uma Pedra na Infância
Põe uma pedra
uma pedra sobre a infância
Para que de vez se cale essa respiração
contida suspensa no escuro
Põe, digo-te, uma pedra de silêncio sobre
essa infância essa fala ininterrupta essa
falagem que falha e promete e inventa
os sonhos e as promessas o riso sem porquê
Para que de vez se interrompa a esperança esse
mal que não desiste. Escreve, faz o que o ditado dita:
Enterra no silêncio da pedra essa intolerável coisa
que é a infância, as vozes da noite do poço.
Apaga a infância isso que falta sempre à chamada
e para sempre trocou já os desejos e os medos.
Já não vais a tempo, ela enredou sem remédio
as vidas os nomes a tua condenação. Mas vai.
Para que se cale de vez essa respiração que se ri
na cara da morte, nos olhos do enviado de deus
recita o que o ditado ditou: Põe uma pedra sobre
a infância e ouve a era a folhagem que cobrem
o céu em ruínas.
Também então havia uma pedra no canto do quarto
Alio onde a noite começava, era uma pedra e depois
crescia, petrificava-se no seu coração de pedra
dividia-se e eram várias crescendo; ocupando
todo o espaço do sono, do sonho do mundo.
Pesavam no teu peito procuravam-te os olhos
que de pedra ficavam e o grito era uma pedra
que na garganta subia contra a outra pedra.
O próprio ar golpeado era e dividia a voz
pedra contra pedra, o deserto a perder de vista.
Põe uma pedra sobre outra pedra. Inventa uma
outra infância de que possas recordar-te.
Obedeces ao poema e é sem espanto que vês:
nada acontece. Não há
nenhuma voz na voz dos condenados.
uma pedra sobre a infância
Para que de vez se cale essa respiração
contida suspensa no escuro
Põe, digo-te, uma pedra de silêncio sobre
essa infância essa fala ininterrupta essa
falagem que falha e promete e inventa
os sonhos e as promessas o riso sem porquê
Para que de vez se interrompa a esperança esse
mal que não desiste. Escreve, faz o que o ditado dita:
Enterra no silêncio da pedra essa intolerável coisa
que é a infância, as vozes da noite do poço.
Apaga a infância isso que falta sempre à chamada
e para sempre trocou já os desejos e os medos.
Já não vais a tempo, ela enredou sem remédio
as vidas os nomes a tua condenação. Mas vai.
Para que se cale de vez essa respiração que se ri
na cara da morte, nos olhos do enviado de deus
recita o que o ditado ditou: Põe uma pedra sobre
a infância e ouve a era a folhagem que cobrem
o céu em ruínas.
Também então havia uma pedra no canto do quarto
Alio onde a noite começava, era uma pedra e depois
crescia, petrificava-se no seu coração de pedra
dividia-se e eram várias crescendo; ocupando
todo o espaço do sono, do sonho do mundo.
Pesavam no teu peito procuravam-te os olhos
que de pedra ficavam e o grito era uma pedra
que na garganta subia contra a outra pedra.
O próprio ar golpeado era e dividia a voz
pedra contra pedra, o deserto a perder de vista.
Põe uma pedra sobre outra pedra. Inventa uma
outra infância de que possas recordar-te.
Obedeces ao poema e é sem espanto que vês:
nada acontece. Não há
nenhuma voz na voz dos condenados.
Manuel Gusmão nasceu em Évora no dia 11 de Dezembro de 1945. Licenciou-se em Filologia Românica (1970), com uma tese sobre o Fausto de Pessoa e doutorou-se em Literatura Francesa, com uma tese sobre a poética de Francis Ponge (1987). Pertenceu às redacções das revistas de literatura e arte O Tempo e o Modo e Letras e Artes, foi colaborador permanente do jornal Crítica, entre 1969 e 1971, e da revista Seara Nova. Fundou as revistas Ariane (revue d’études littéraires françaises) e Dedalus, da Associação Portuguesa de Literatura Comparada (desde 1991). Prefaciou obras de vários autores e traduziu para português poemas de Olivier Cadiot, Christian Prigent e Francis Ponge. A sua poesia, publicada apenas nos anos 90, foi sendo produzida desde os anos 60. Publicou, entre outros, os livros Dois Sóis, A Rosa – a arquitectura do mundo (1990), Mapas o Assombro a Sombra (1996), Teatros do Tempo (2001) e Migrações do Fogo (2004). »
1 Comments:
É meu conterrâneo, tinha de escrever com pedras, e na infância.
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