Elogio das touradas
Algumas pessoas que leio com agrado têm escrito sobre touradas, quase sempre em tom depreciativo. A maioria dos meus leitores também não me parece que sejam aficionados, à excepção de um ou outro que gosta, claramente, de pegar os touros pelos cornos. Por uma questão de honestidade, vejo-me assim obrigado a declarar a minha simpatia pela festa brava. Nascido ribatejano, cedo me familiarizei com as garraiadas, as touradas, as picarias. Nunca senti necessidade de me afirmar macho no confronto com os touros, pelo que o meu apreço é mais de cariz estético que idiossincrático. Gosto de ver uma boa pega e encontro beleza, uma beleza de tipo teatral, nas acções dos forcados e dos bandarilheiros. Os cavaleiros são, talvez, os agentes que menos admiro no espectáculo tauromáquico, embora me deslumbre sempre aquela sintonia com os cavalos que os coloca a bailar frente a uma parelha de cornos. Geralmente as pessoas que são contra as touradas, são-no por considerarem o espectáculo repugnante. Basta irmos ao sítio da Liga Portuguesa dos Direitos do Animal para nos apercebermos, com clarividência, do que está em causa na argumentação antitauromáquica: «Cultura é tudo aquilo que contribui para tornar a humanidade mais sensível, mais inteligente e civilizada. - conceito, quanto a mim, demasiado restrito de cultura. Mas adiante. - A violência, o sangue, a crueldade, tudo o que humilha e desrespeita a vida jamais poderá ser considerado "arte" ou "cultura". A violência é a negação da inteligência.» Temo que a levarmos à letra estas palavras teríamos de proibir metade dos desportos praticados por humanos: do boxe ao full-contact, do judo ao karate, passando, por que não, pelo próprio futebol. A questão passa, então, para o plano dos direitos dos animais. Diz-se, em absurdo, que ninguém pergunta aos touros se querem fazer parte do espectáculo? É verdade que sim, tal como ninguém questiona os animais do circo, das telenovelas, dos filmes, dos matadouros, se desejam fazer parte do espectáculo. Não sei se já pensaram nisto: quando comem um frango assado, perguntaram ao frango se ele desejava ser decapitado, depenado, assado, comido? Quem fala de um frango fala de um porco, de uma vaca, de um coelho, de um peixe… Diz-se ainda, no supracitado sítio, que «uma minoria quer manter as touradas e as praças de touros, bárbara e sangrenta reminiscência das arenas da decadência do Império Romano». Trata-se de um argumento muito semelhante ao da "já célebre Lei de Godwin", por vezes evocada na discussão sobre o aborto: «numa qualquer discussão (originalmente na internet, mas pode aplicar-se a outros suportes), a probabilidade de os nazis ou Hitler serem citados em comparação com o adversário aproxima-se de um. Mais tarde ou mais cedo, corre o risco de ocorrer. Corolário: o autor da comparação a Hitler perde a discussão. Leo Strauss ridicularizava este tipo de retórica chamando-lhe a reductio ad hitlerum.» Nas arenas do Império Romano matavam-se pessoas. O cinema celebrizou algumas cenas em que eram os touros, investindo contra cristãos atados a barrotes, quem cumpria o papel do carrasco. Várias pessoas de cultura, de Hemingway a Picasso, admiraram, elogiaram, exaltaram a Fiesta! Não percebo a insistência na ideia de que a tourada não é cultura. Sendo assim, resta-me desejar-lhe, caro leitor, que da próxima vez que comer um bife de vaca, não se esqueça que o bife já fez muuuuu…
30 Comments:
ou que não coma uma lagosta suada atirada vivinha para a água a ferver em cachão...
Caro Diogo, ou o Diogo não percebeu bem o que eu escrevi ou eu não me fiz entender. O facto de pessoas de cultura, em sentido restrito do termo cultura, terem apreciado tourada, não contra-argumenta os direitos dos animais. A questão dos direitos dos animais é muito complexa. Menciono Picasso e Hemingway noutro contexto: aquele que defende que as touradas são uma reminiscência das arenas do Império Romano e, por serem gratuitamente violentas, não podem ser consideradas cultura, pois as pessoas sensíveis e cultas não gostam de espectáculos gratuitamente violentos. Isto parece-me completamente ridículo. Quanto à sua primeira questão, acho que está a ver mal a coisa: a tourada não é uma competição entre o homem e o touro (a ser competição, será entre a perícia dos cavaleiros na relação que mantêm com o touro). O touro está para a tourada, se quiser, como o coelho para a caça. A haver competição, não é entre o caçador e o coelho. É entre os caçadores.
Querida Angi, certamente não aprecias Caravaggio, Artaud, La Fura Dels Baus, etc… São violentíssimos e envolvem sofrimento. Fico só por exemplos mais populares. Podia ir a outros, de body art, por exemplo, manipulação genética, etc, etc, etc. Ou ao expressionismo de Gunter Brus, que muito aprecio… Quanto ao respeito dos animais, nem me estendo… basta ir a um canil municipal. Já agora, por acaso não terás animais domésticos? Pergunta-lhes se eles querem ser domesticados. Eu tenho 7 cães. Sempre que um me foge, para ir às cadelas, fico todo preocupado. Trago-o para casa, contra a sua vontade. Quem estou a defender? O meu cão ou o amor que lhe tenho? Quanto a espectáculos com dignidade, liguemos a televisão e vejamos um telejornal. O mundo está cheio de espectáculos indignos que não indignam ninguém. Porquê a tourada? O que há de indigno na tourada? À comparação entre entretenimento e alimentação também vale para o petisco, para os caracóis amêijoas, berbigão, camarão, etc… Comemos mais do que precisamos e nem precisamos de comer bifes! Dizes que é mais respeitoso matar um animal porque faz parte das nossas necessidades fisiológicas. Não há necessidade fisiológica que justifique a morte de um animal, por isso é que o Peter Singer é vegetariano. E essa do cozido à portugueza!!!! Já assististe a uma matança de um porco? É uma festa. Não duvides. Eu já assisti a várias. Enfia-se uma faca na pescoceira do porco, e deixa-o o bicho sangrar ater à morte. Guincha, guincha, guincha que nos põe surdos. E esperneia de sofrimento que até mete impressão. Quanto a precedentes de pensamentos perigosos, basta ler a Bíblia.
Muito obrigado pelos comentários.
É com agrado que concordo contigo, até porque isso nem sempre acontece.
A tourada é polémica e penso que continuará a ser até que um dia, provavelmente, acabarão com ela. A nossa sociedade asséptica detesta a dor e a morte e esconde-as com todo o tipo de anestésicos e cortinas brancas de hospital.
Depois, esta civilização “desvalorizada” pretende que os animais tenham os mesmos direitos que nós humanos de duas formas: baixando-nos ao nível deles ou elevando-os ao nosso nível. E por isso é difícil compreender como é que homens no uso de toda a sua arte, engenho e tradição secular conseguem enfrentar um touro, lidá-lo, matá-lo e ainda assim sentirem um respeito e um orgulho enorme pelo nobre touro que é uma das razões da festa: é o touro que faz a tourada.
Como em tudo, a principal razão para rejeitarmos uma coisa, é o desconhecimento sobre ela. A maioria das pessoas não sabe ao certo o que se passa numa tourada. Confesso que o cavaleiro também não é o meu favorito, e no entanto, o único documentário consistente que vi sobre o toureio a cavalo foi feito por espanhóis sobre dois cavaleiros portugueses. Ali éramos remetidos para o Centauro e podíamos perceber que, o que um cavaleiro faz na arena não pode ser confundido com um acto bárbaro porque é de facto o seu contrário: uma expressão de Civilização e Cultura agarrada pelo sangue à Terra.
(Finalmente uma provocação) É claro que se a vida, a cultura e a civilização tiverem que se submeter à espartana realidade da linguagem informática de 0s e 1s, então confesso: os touros não têm blogues. E por isso talvez a tourada não pareça fazer sentido.
Um abraço
a tourada é metáfora, é uma ode à luta humana no mundo, é tragédia em que o "bem" procura o triunfo sobre a natureza adversa.
quem não consegue sentir a alegoria, obviamente nunca irá entender o significado da tourada como cultura, como legado da nossa história, que teremos de encontrar, noutras formas, recuando muitos séculos atrás.
compreendo quem não aceite essa forma de arte devido ao seu desconhecimento de toda a envolvência e emoção subjacentes à festa brava. não sou aficcionado, se por isso entendermos o seguidor frequente do fenómeno, mas posso dizer que sinto a emoção da metáfora e a estética do ritual.
quem gosta sente-se uma besta em assumi-lo, perante a opinião geral de desaprovação, mas não posso fugir à verdade.
Não nasci em terras de touros, sou nortenho, e desde sempre julgo a tourada por aquilo que me mostraram dela na televisão e por todos os sinais com que o fascismo e os latifundiários a envolveram e nos quiseram impingir. Por isso não gosto, e, caso contrário, também não gostaria porque não lhe encontro sequer emanações de cultura popular ou de beleza plástica. Porque, quanto ao sangue, na televisão nem sequer é vermelho vermelho (porque: quem vê touradas ao vivo?)Também detesto os Câmaras, os embuçados e os cavalos ruços que se chamavam gingões e aqueles lenços fadistas ao pescoço, as fidalguias e essas merdas, tudo ligado à tourada, e os moços forcados que pegam as alimárias são da criadagem desses merdas em vias de extinção, espero, joões bragas e tal. É por isso que não gosto, mas já em Espanha a coisa é mesmo popular em certas regiões, mas digo-te já que o Hemingway, como bom americano, só via o exotismo da coisa, e de touros e touradas, dizem os espanhóis, não percebia nada. quanto ao Picasso, ele próprio era um touro bravo, e sabia ver as linhas plásticas fortes de simbolismo que aplicava na sua pintura. Pronto, gosto de touros, mas não gosto de toureiros nem de touradas, e não gostava de me ver com eles, esses amaricados (os toureiros), na arena.
fguerra
Henrique,
é impossível defender as touradas, a caça, os matadouros, os viveiros de "peles", etc. sem admitir, implícitamente, que o sofrimento do animal é irrelevante. Mas o sofrimento, de animais ou de humanos, nunca é irrelevante. Há um livro fundamental de R. Rorty - "Contingência, Ironia e Solidariedade" - onde ele defende a importância de um princípio ético: evitar a crueldade. Parece-me um princípio excelente. Claro que, sendo o homem carnívoro há milénios, não é fácil trocar essa deliciosa dieta por esquálidos princípios éticos. Eu que o diga, que não prescindo de bifes, de entrecosto na brasa, de rojões, de fanecas ou robalos, etc. Mas não deixo por isso de reconhecer em mim essa contradição, essa hipocrisia, de defender que a crueldade voluntária é o único pecado imperdoável (para citar, de memória, T. Capote) e nao deixar de me refastelar com as suculentas carnes de porco ou vitela.
Evitar o sofrimento dos outros nem sempre é fácil, portanto, e há situações em que é mesmo impossível (por exemplo, quando temos que pôr fim a uma relação amorosa), mas isso não significa que não seja válido, pelo menos para mim, esse axioma. Assim como não significa que valha o mesmo, em termos éticos, matar para comer, ou matar ppor ornamentação (visons) ou por recreação (caça e touradas). Parece-me evidente a necessidade de estabelecer aí uma diferença, apesar de tudo.
Os exemplos que enuncias de violência e sofrimento auto-induzidos não são relevantes, pois se um artista plástico se mutila ou se dois boxeurs se espancam, isso no fundo só a eles diz respeito. A crueldade e a violência contra si próprio é uma opção de cada um.
Também não faz sentido, acho, argumentares com a violência quotidiana que a televisão nos faz entar pela casa dentro. O facto de haver demasiada violência e crueldade no mundo não desculpa que lhe acrescentemos mais um grama dela. Desde quando é que a existência de algo justifica esse algo? Se a existência do mal justificasse o mal, nada seria condenável. Hás-de concordar comigo que é uma lógica perversa, essa.
Eu gostava de ser coerente comigo mesmo e deixar de comer carne e peixe. Mas, infelizmente, parece-me que terei que viver a vida toda com essa incoerência, pois gosto demasiado de carne para sacrificar esse gosto a um princípio intelectual.
A condenação moral de dietas carnívoras, touros, caça, peles não se prende tanto, acho eu, com o facto de haver ou não morte do animal, nem com o objectivo dessa morte, mas com a existência, ou não, de sofrimento. A bitola aqui é o pois o sofrimento e a crueldade, agravadas pela sua não necessidade.Assim, não é tão grave comprar um vison de viveiro (desde que o animal tenha sido bem tratado e sofrido uma morte indolor) do que uma pele de foca ou uma galinha de aviário (sabendo nós o que é um aviário), tal como é menos grave comer carne de uma vaca alimentada em pasto do que a tortura de um touro na arena. E por aí fora.
Mas, repito, não me sinto com legitimidade para condenar o teu gosto pelas touradas, se eu nada faço para evitar comer carne...
subscrevo os comentários da Anji, do JMS e do Digo Ribeiro
abraço
Caríssimos, muito obrigado a todos pelos comentários – repletos de argumentos lúcidos e perspectivas questionáveis. Como deverão compreender, duas mãos e uma só cabeça (pensante) dificilmente darão para responder a todos como deveria. Ainda assim, cá vai de esforço e jorro:
grande: concordo com tudo o que dizes, até porque nestas matérias as origens, julgo eu, têm o seu peso (quer queiramos quer não). Sublinho isto: «A nossa sociedade asséptica detesta a dor e a morte e esconde-as com todo o tipo de anestésicos e cortinas brancas de hospital. Depois, esta civilização “desvalorizada” pretende que os animais tenham os mesmos direitos que nós humanos de duas formas: baixando-nos ao nível deles ou elevando-os ao nosso nível.»
cj: essa é uma perspectiva poética, por isso interessante, da tourada. E estou como tu: por vezes sinto-me uma besta ao assumir um fascínio que é mais forte do que eu. Mas como dizia o Maugham: «se confessasse cada pensamento que me atravessou o espírito, o Mundo me julgaria um monstro de depravação».
fguerra: percebo o que quer dizer e até concordo em parte com a questão social. Mas depois penso na ópera e nos seus círculos elitistas, no bale dos grandes salões, nos pintores da corte, etc. Quanto à tourada, foi-se desenvolvendo nesse sentido que diz mas as suas origens são bem mais humildes. Não pense só na tourada que lhe mostram pela TV. Pense na tourada grega, na tourada à corda dos Açores, nas largadas de touros nas festas populares, etc. Mas, já agora, deixo um link com uma perspectiva histórica: http://tauromaquia.viaoceanica.com/noticia.php?id=4364 Numa coisa estamos de acordo: «detesto os Câmaras, os embuçados e os cavalos ruços que se chamavam gingões e aqueles lenços fadistas ao pescoço, as fidalguias e essas merdas, tudo ligado à tourada». Mas, como ambos sabemos, também a literatura tem os seus Câmaras, embuçados e cavalos russos … :) (sic!)
angi: este teu comentário pareceu-me demasiado confuso. Vou por partes, no que respeita ao que entendi.
- sobre a violência com consentimento para fins artísticos ou de entretenimento: como sabes os animais não consentem, são utilizados e ponto final (não sei porquê, o «Amores perros» não me sai da cabeça – terão os cães consentido serem utilizados para aquelas cenas violentíssimas? Até onde terão sido violentados? E o porquinho Baby, apreciará cinema?). Dir-me-ás que o que está em causa é o sofrimento do touro e do cavalo. O cavalo sofre tanto numa tourada como numa qualquer outra utilização que dele se faça (seja para lavrar a terra ou para puxar “carroças” na bela cidade de Sintra). Quanto ao sofrimento do touro, pois claro que o animal deve sofrer. Mas essa é, sempre foi, a sua condição desde que “nosso senhor” nos mandou dominar sobre os animais. A acabar com a tourada devido ao sofrimento do touro, pois que se proíba a caça, o comércio de carne, etc. Eu nasci e cresci ao pé de um matadouro (carnes Nobre, Rio Maior), não julgue que existam grandes pruridos na forma como se tratam os animais que nos trazem à mesa.
- quanto a dar outros exemplos de desrespeito dos animais para justificar mais um, convenha que não sou eu quem está descontente com as touradas. Se me dizem que o que está em causa é o sofrimento do animal, então sinto toda a legitimidade para acusar o assobio de revés quanto ao sofrimento dos outros animais. Aí sim, há incoerência. (Na maior parte dos casos, como é óbvio.) Se são argumentos muito fortes? Quero lá eu saber disso! Não sou eu que pretendo mudar esta realidade. Neste caso, o melhor seria fazer como o actual PR e remeter-me ao silêncio. :) Por exemplo, quando dizes: «Quanto mais se bater mais bonito é o espectáculo!» - não sabes o que estás a dizer. A beleza da tourada não está na porrada que se dá no touro, até porque não é esse o objectivo. Ninguém vai à tourada para ver o touro morrer à marretada! (P.S.: os touros das touradas não são domesticados, caso contrário a tourada não teria piada…) Esquece o berbigão (estava a ser irónico, como tu estás quando falas na indumentária dos matadores de porco). Pensa nos coelhos, nas vacas, nos leitões, nos porcos, nos novilhos, etc, etc, etc…
JMS: começas bem - «é impossível defender as touradas, a caça, os matadouros, os viveiros de "peles", etc., sem admitir, implicitamente, que o sofrimento do animal é irrelevante». Este é o grande dilema, o grande paradoxo, de quem, como eu, gosta de touradas e as julga legítimas, mas se repugna, por exemplo, com lutas de cães. Como tu, também eu tenho as minhas contradições. Toda a questão da legitimidade das touradas se resume a esse problema. Repito-me: se algum dia alguém proibir touradas, eu exigirei (ma medida do possível, como é óbvio), em coerência com esse princípio, que se proíba a caça, encerrem matadouros (não me venham com a conversa que nos matadouros os animais não sofrem ou sofrem menos, porque é tudo treta), se acabe com o comércio animal (basta ver como são transportados…), tudo o que inflija dor nos animais. Duvido que algum dia isso aconteça. A razão para tal é que o sofrimento do touro não é irrelevante. Antes pelo contrário. Seria preferível, talvez, que ele fosse logo morto na arena. Acabar-se-lhe-ia mais rapidamente com o sofrimento. Mas a hipocrisia leva a que o animal tenha que ser transportado para um matadouro, prolongando-lhe desse modo o sofrimento. No entanto, deixa-me que te diga que, hoje em dia, não há que estabelecer qualquer diferença entre matar para comer, para ornamentação ou para recreação, pois em nenhum dos casos a morte do animal é hoje uma necessidade absoluta. Quanto aos exemplos que apresento, devem ser contextualizados. O que está em causa no caso do artista que se mutila, para mim, não é a justificação da dor que se inflige num animal, mas sim a chamada de atenção para o facto da violência e da crueldade serem dimensões do estético. Por fim: «O facto de haver demasiada violência e crueldade no mundo não desculpa que lhe acrescentemos mais um grama dela. Desde quando é que a existência de algo justifica esse algo?» Pois claro que não, mas implica prioridades. Se é para acabar com a violência no mundo, que comecemos pela violência dos homens contra os homens. É a velha história da biblioteca, repleta de obra únicas e fundamentais – essenciais para o progresso da humanidade (?) -, a arder com a velhinha lá dentro. Quem salvar? Os livros ou a velhinha?
diogo ribeiro: «Na ausência de uma ideia de competição não encontro muito mais que justifique o espectáculo em si». Eu, na realidade, não penso assim. Por isso é que gosto tanto de poesia.
Cara polémica
Quanto à questão da carne e do sofrimento dos animais, peixes, e mesmo insectos e a sua relação com a nossa dieta, não vou argumentar com as suas virtudes proteicas, aliás nesse âmbito, o cérebro humano é talvez o alimento mais rico em proteinas e aí desviar-nos-iamos para o canibalismo, tão abundantemente praticado em tempos idos; nem sequer argumento no sentido da ligação da carne com o aumento do cérebro humano, tudo hipóteses ainda, não, nada disso, fico-me pela alternativa, o vegetarianismo. Mas a prática da agricultura extensiva e mais tarde industrial teve consequências tremendas para a biodiversidade(desde tempos remotos) e hoje provoca a erosão dos solos, e a poluição de rios, etc. Não esquecer que foi a introdução de produtos quimicos no pòs-guerra que permitiu que fossem alimentadas populações imensas na China, India , etc. O que quero dizer é que não existem alternativas impolutas, e que todas são relativas, são escolhas que provocam sempre sofrimento.
Quanto às touradas, não sou um apreciador, nem gosto muito da sua sociologia, todavia fico perplexo com a reacção de um certo fundamentalismo dos grupos de protecção dos animais e afins. Julgam-se paladinos de um bem qualquer superior e agigantam-se numa superioridade moral deveras inquietante. E ao elegerem as Touradas como alvo, quanto a mim, falham o alvo. É que os Touros só existem hoje em dia graças às touradas, de contrário já estariam extintos há muitos séculos. O que é que esses apóstulos da bondade e do não sofrimento fariam aos touros finalmente emancipados? Libertavam-nos na floresta ou na planura alentejana ou punham-nos em reservas esperando que o bom estado pagasse a factura? Os principios absolutos e as ideologias que forjam são sempre perigosos e preversos.
Quanto à questão de ser arte ou não, à sua maneira é uma arte, como é uma arte o contorcionismo ou a magia, porém se a tourada um dia foi um ritual sagrado e uma arte superior, hoje não passa de um acontecimento mundano pouco estimulante.
hmbf, obrigado pela sua resposta personalizada, não era preciso tanto. Mas a sua repetida argumentação comparativa e justificativa, neste caso rui. É claro que também não gosto das óperas ostentórias, nem dos bailes da burguesia e da nobreza, nem da literatura dos cavalos russos sic (a que propósito?)etc. Estas coisas não se excluem, amontoam-se no monte da mesma trampa. Só que a ópera, tal como o fado, têm o outro lado, e a tourada não tem mais lado nenhum, nem o tal histórico. Que eu saiba, mas também não sei tudo, historicamente a tourada, como a caça, eram divertimentos dos poderosos, porque os pobres estavam proibidos de caçar (faziam-no clandestinamente e eram açoitados e mortos por isso) e as touradas eram um divertimento para os senhores em que o povo se divertia a assistir, tal como se divertia a assistir aos autos-de-fé, e a cuidar dos bichos. Digo também que a minha repugnância pela tourada não é só social, é também pessoal: desgosta-me, enoja-me, exaspera-me ver que se pica um ser vivo e indefeso até ao sangue e à morte (se tortura)PARA DIVERTIMENTO sádico do público - e não me venha dizer que os filmes de terror e violentos e tal, e o Artaud... Pois, porque não é para comer o bife, porque nesse caso dá-se-lhe uma morte mais rápida e sem sofrimento. Quanto ao popular: sim, há umas pequnas bolsas rurais do país onde talvez se goste espontaneamente deste triste spectáculo, como barrancos, algum alentejo, algum ribatejo, algum açores...
fguerra
O sofrimento não é irrelevante, é fundamental. Existiu sempre e é inerente ao seres vivos dotados de sistema nervoso. Por alguma razão existe música, arte, poesia. Gostar de touradas é uma questão de educação, de gosto, de saber alguma coisa sobre esses animais que de há muito sombolizam a vida, com tudo o que ela tem de belo e de horrendo, de necessário e de gratuito, de magia e de azar.
Em termos culturais é, no mínimo, sobranceiro achar que, por nada se saber de uma tradição, se podem cagar postas de pescadas sobre sofrimento e demais balelas.
Queira-se ou não, goste-se ou não, a morte é quase sempre imprevisível e a dor o grãozinho de sal que dá sabor às coisas.
Chico Barrosão
Meu, como sabes também sou ribatejano e a única coisa que me agrada nas toiradas é a pega de caras. Mas só quando falha e os forcados levam porrada de meia-noite.
Pelo mesmo motivo também gosto de largadas de touros. Aqui onde moro, há todos os anos em Setembro e é raro não ir pelo menos meia dúzia para o hospital (e um ou outro para a morgue).
Sou um sádico em relação a forcados, que hei-de eu fazer?...
:)
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Que literato de merda me saíste, Barrosão, com essa treta pseudo-poética sobre a inevitabilidade da morte e a beleza do sofrimento, como se alguém estivesse aqui a defender que a morte e o sofrimento podem ser erradicados. Mas se tu não compreendes que o facto de a morte e o sofrimento existirem não legitima que matemos ou façamos sofrer o que quer que seja "just for fun", é porque não passas de um sado-maso-dandy infectado de literatura barata, mui decadentista, e que se crê muito inteligente só porque leu quatro livros. Enfim, não vale a pena perder tempo contigo. Deves estar quase a fazer 18 anos, pode ser que te faça bem ir à tropa. Deixa lá a literatura.
Vamos por partes. Começo já por esclarecer que, dada a dificuldade da questão e o tempo que me resta para discuti-la, não entrarei em diálogo com comentários anónimos.
João Urbano: tocas em algumas questões fulcrais. A primeira, se bem entendi, é a de uma certa incoerência entre o discurso de defesa dos animais e as práticas quotidianas. De facto, o vegetarianismo parece-me uma alternativa bastante viável para quem defenda os direitos dos animais à sua natureza. Mas não nos esqueçamos que estas coisas não são assim tão simples. No que respeita ao touro bravo, tu tocas também num assunto fulcral: a sua sobrevivência. Não fossem as touradas e a espécie extinguir-se-ia rapidamente, pois ela só existe tendo em vista a prática tauromáquica. Que faríamos? Guardaríamos uns tantos exemplares em Jardins Zoológicos? Faz-me muito mais impressão ver leões, tigres, jaguares, gorilas, chimpanzés, etc, enjaulados do que touros a serem toureados. O touro vive em paz e fartamente até ao momento da tourada. Tem uma vida de luxo até esse momento. O pobre do gorila enjaulado apodrece atrás das grades uma vida inteira. Como dizes, e cito concordando, «existem alternativas impolutas, (…) todas são relativas, são escolhas que provocam sempre sofrimento». Por fim, quanto ao lado estético das touradas. Chamas-lhe acontecimento mundano. Pois claro, mas eu gosto desses acontecimentos mundanos. Gosto de touradas, de futebol, cinema, concertos, por aí além. O que há nas touradas que me entusiasma: o toureio – a dança do bandarilheiro frente ao touro, os seus movimentos, as pegas, a sincronia entre os vários elementos que intervêm na pega, a habilidade no controlo do tempo em que num segundo desprevenido tudo pode correr mal, a forma como o cabo forcado desafia o animal, o provoca, para acabarem abraços, etc, etc, etc… Isto não tem nada que ver com estúpidas exibições de heroísmo. Quem julgar isso não percebe nada de nada de touradas. Se fosse isso, não eram precisos tantos homens para pegar um touro.
fguerra: Então gosta de quê, homem? De uma arte verdadeiramente popular? Na sua raiz, a tourada é uma arte verdadeiramente popular. Você está enganado quanto à origem da coisa. Aliás, se houve alguém que neste país se esforçou para proibir as touradas foi a autoridade régia. Na História de Portugal, de José Matoso, explica-se a polémica. As corridas de touros eram consideradas divertimentos bárbaros e impróprios de Nações civilizadas, ou seja, um divertimento do povo: «Nos fins do século XVIII, a tourada tinha deixado de ser uma diversão exclusiva da nobreza, passando muitos populares a dedicar-se ao toureio apeado e a cavalo. Alguns deles ficaram registados nos anais da modalidade, como o famigerado Sedvem, ajudante e companheiro de lides do rei-toureiro D. Miguel». A popularidade do toureio atravessava todas as classes, mas se houve alguma que pretendeu proibi-la foi aquela que você detesta: a dos câmaras! (Veja bem a ironia.) Se bem percebo, o fguerra não gosta de espectáculos de massas, de divertimentos de massas. Está no seu direito. Depois você diz: «desgosta-me, enoja-me, exaspera-me ver que se pica um ser vivo e indefeso até ao sangue e à morte (se tortura) PARA DIVERTIMENTO sádico do público - e não me venha dizer que os filmes de terror e violentos e tal, e o Artaud...» Já expliquei, não volto a explicar, porque falei da arte com manifestações de violência. Não foi, se se der ao trabalho de ir verificar, para justificar a violência exercida sobre o animal no caso das touradas. Como você não percebe nada de tourada, pensa que o público se diverte com aquilo que você coloca nestes termos: torturar um animal até à morte. Se o divertimento fosse esse, não havia tourada. Para haver pega, o animal tem de estar vivo, bem vivo. Para haver toureio, apeado ou a cavalo, o mesmo. Nem forcados nem bandarilheiros picam o animal (pelo menos no caso português mais generalizado). A graça não está no sofrimento que se inflige ao animal, está na arte de quem toureia. O fguerra fala também em mortes rápidas e sem sofrimento. Ó fguerra! Isso nem parece seu. Olhe, tenho na família criadores de gado e vivi 11 anos ao pé de um matadouro (Carnes Nobre, Rio Maior). Posso garantir-lhe que os animais que levamos à boca sofrem muito mais e muito mais prolongadamente que os touros que vão à arena. É óbvio que uma coisa não justifica a outra, mas quem foi rebuscar esse argumento foi você.
Fernando: Essa é uma outra perspectiva da coisa, mas que prova não ser o touro, numa arena, o elo mais fraco. :)
JMS, queres poesia de alto calibre? Vai aqui:
http://daliteratura.blogspot.com/2006/10/cano.html
Desculpa lá, mas não resisti! :)
Que horror!Que mal te fiz eu, para me mandares para um sítio daqueles! Por tua culpa estou agora enjoado, tenho que ir beber uma água mineral.
Concordo contigo, ó JMS. Sofrimento é uma palavra que te faz comichão no cérebro e à qual reages com maus modos. Talvez se comeres menos bifes isso te passe e possas ir fazer festas às moscas e às carraças
Estamos em democracia. As touradas são legitimas porque a sensibilidade de uma maioria assim o entende. Acredito que a tendência é para essa maioria ir mirrando...
Trata-se de cada um de nós, em sociedade livre e democrática, aceitar (ou não), que outros, tornem a violência, o sofrimento e a morte de um animal, num espectáculo público. Que outros, tenham manifestações de satisfação, num espectáculo do qual, para além da arte dos toureiros, faz também parte a violência, a dor e a morte (na morte do touro, há uma diferença entre Portugal e Espanha), de um indefeso animal. São estas manifestações dos aficionados, que atentam contra a minha sensibilidade, e que me levam uma rejeição das touradas. Se eu estiver muito preocupado com o assunto, na nossa sociedade, tenho meios legítimos, para “lutar” contra o assustador e degradante espectáculo humano de satisfação, prazer, gáudio, regozijo e êxtase nas (bancadas) praças, no momento em que um animal sofre mortalmente. Esta é, no meu entender, a questão, pois é precisamente por aqui, que em Portugal não estamos tão mal: a morte do animal é frustrada ao público!
hfm, este teu post foi uma punhalada nas costas. Nunca pensei que fizesses parte da "seita"!;) Foi com desgosto que vi que sim. Mas pronto, não podias ser perfeito não é?!;)
E só me resta dizer que: nós, humanos, tratamos de forma indigna os animais que comemos e utilizamos para diversos fins. Mas quem sabe, daqui a 500 anos os nossos procedimentos actuais façam apenas parte de mais um episódio da nossa "bárbara" história. Quanto à definição de cultura e de costumes culturais, bem, podia criar aqui uma lista infinita das loucuras, umas mais bárbaras que outras, mas sempre condenáveis ainda que culturais, que os humanos praticaram e praticam. E uma vez que comparas as variáveis que envolvem o acto de comer às variáveis que envolvem o espectáculo tourada imagina então como não iria ser comprida essa lista! Poderiamos misturar ablações do clitóris em África, com as mulheres "bruxas" queimadas em espectáculos públicos na idade média ou ainda o atirar de cabras de janelas altas em Espanha que ainda hoje se pratica em algumas fiestas, com as questões culturais que durante anos limitaram o acesso das mulheres à educação. Enfim... um sem fim de "culturas" e Culturas que é pena demorarem tanto e tanto tempo a mudar. Até porque andamos todos a velocidades descordenadas. Há sempre uns a atrasar os outros. Eu confesso que sempre achei que quem gosta de Touradas, quem as pratica, quem assiste, quem ainda as faz e quem as defende sob a égide de Espectáculo Cultural, está a empatar a nossa evolução, está a puxar-nos para baixo. E confesso, estou há 30 anos à espera de ter orgulho pensar: Em Portugal não há touradas!:) É tudo uma questão de evolução... e paciência :-S
Um dos maiores problemas que encontro nos debates blogosféricos é a dificuldade de se ser fiel a um pensamento nas poucas palavras de um post. Essa dificuldade obriga a que, enquanto leitores, façamos um esforço de compreensão do que está escrito, de modo a que o que está escrito não seja treslido. Um exemplo: eu posso repetir 1000 vezes, em Caps Lock, que «O PRAZER DE ASSISTIR A UMA TOURADA NÃO ESTÁ EM VER UM ANIMAL SER ESPICAÇADO ATÉ À MORTE, ATÉ PORQUE ISSO NÃO ACONTECE NO CASO PORTUGUÊS – SALVO RARÍSSIMAS EXCEPÇÕES». Eu posso repetir isto, como digo, 1000 vezes. Mas de nada me valerá repeti-lo à exaustão se quem me lê o fizer na base do preconceito que lhe diz exactamente o contrário: as pessoas deleitam-se vendo um animal ser espicaçado até à morte. Esse preconceito manifesta ignorância, até porque o touro sai sempre vivo da arena (salvo, como disse, raríssimas e isoladas excepções). Seria uma frustração ver uma pega a um touro morto… :)
ricardo: É natural que um dias as touradas acabem. Isso não me choca absolutamente nada. Convivo bem com o fim das coisas. Por exemplo, conviveria bem com a extinção dos touros bravos, enquanto espécie, se as touradas acabassem. O que está em causa no meu post, se bem reparaste, é uma crítica à argumentação daqueles que não gostam de touradas e querem acabar com elas. É essa argumentação que julgo injusta, elitista (ainda que pretenda parecer o contrário), hipócrita e, por vezes, estupidamente ignorante. As citações que faço no post parecem-me óbvias. Quem concordar com aquele discurso que meta o dedo no ar, mas não se esqueça que isso terá implicações em muitas outras questões onde os direitos dos animais estão em causa. Tu falas do «assustador e degradante espectáculo humano de satisfação, prazer, gáudio, regozijo e êxtase nas (bancadas) praças, no momento em que um animal sofre mortalmente». Os adjectivos são teus, não os discuto, sobretudo na relação que mantêm com o sujeito da premissa. Mas era bom que provasses essa relação entre o gáudio e o sofrimento mortal do animal, pois não é isso que os meus olhos vêem numa tourada. Nunca numa tourada vi um animal ser morto em arena (falo do caso português, repito). Daí que não perceba de onde retiras essa ilação.
kaku: nada de confusões, eu sou hmbf! Treslês o que afirmo quando dizes que eu justifico a tourada por ser parte da nossa tradição cultural. (E desculpa que te o diga assim, mas a comparação com a “mutilação genital feminina” é absurda – sabes de alguém que pague dinheiro para o ver?; estão em causa mulheres ou vacas?; é um espectáculo?; etc, etc, etc…) O que digo é que não faz sentido algum dizer que a tourada não é cultura. Se fores ler bem o post é isso que constatarás. A minha opinião, aliás como a tua, é que a tourada faz parte da nossa cultura, independentemente de isso a justificar ou não - até porque, e nisso também estamos de acordo, nem tudo o que é cultura é necessariamente bom. Também não comparo as «variáveis que envolvem o acto de comer às variáveis que envolvem o espectáculo tourada». Estás a ler erradamente o que afirmo. O que digo é que se formos contra a tourada porque defendemos os direitos dos animais, temos que ser coerentes com a defesa desses direitos. Da classe animal, não são apenas os touros que têm direitos, pois não? Logo, isso implica a defesa dos direitos dos animais que comemos. Não vale a pensa virem-me dizer novamente que um mal não justifica o outro. A questão é que para mim não há mal em comer animais assim como não há mal nas touradas. Mas quem defende haver mal nas touradas, pois que seja coerente com os seus princípios. Quanto à questão da evolução civilizacional, que posso eu dizer-te. Não estou certo que o que penso seja o melhor, espero que não estejas também certa que o que pensas seja o melhor. Andamos, no sentido ocidental, a impor o que pensamos aos outros há centenas de anos. Felizmente há quem resista à nossa mania de que somos melhores que os outros.
Encerro aqui a questão, pois julgo que já disse o que tinha a dizer. Agradeço todos os comentários, permitindo-me confessar que apenas um tocou, do meu ponto de vista, no que é essencial numa argumentação contra as touradas. Foi o do JMS quando afirma logo de início que «é impossível defender as touradas, a caça, os matadouros, os viveiros de "peles", etc., sem admitir, implicitamente, que o sofrimento do animal é irrelevante». Toda a argumentação contra as touradas só faz sentido se partir daqui. Só isto me deixa a pensar no quão incivilizado e atrasado devo ser por me regozijar com um bom toureio. Talvez a solução fosse acabar com os ferros, reduzir a tourada ao toureio apeado. É uma possibilidade. Não me causa qualquer dano moral a utilização dos animais para efeitos recreativos, dos golfinhos no Zoo aos touros nas arenas, passando pelos galgos nas pistas, etc. As lutas de cães ferem-me, por razões que poderei um dia explicar. As touradas não, mas admito que, enquanto fã de touradas, há algo de contraditório em mim. Seria bom que os outros, admitissem o mesmo sempre que ao comerem um bitoque se esquecem que aquilo que têm no prato já sofreu muito mais do aquilo que um touro que vai à arena alguma vez sofrerá. Para saber disso, basta acompanhar o percurso de vida de uma vaca ou de um porco até chegar aos restaurantes. Cada, em suma, com as suas contradições. Saúde,
Perdoem-me o tuguês. Foi de jorro..
Henrique, popular é o futebol, e eu gosto.
fguerra
quanto a mim, mesmo não apreciando em nada as touradas, abolindo os touros de morte (não concebo fazer da morte um espectáculo lúdico) e as naifadas havaianas que os cavaleiros dão no lombo do animal (quando acertam) a tourada pode seguir a sua vida na cultura portuguesa em que está inserida.
fguerra: somos dois. Mas as touradas também são populares.
loucomotiva: o que está em causa neste post, mais que o elogio às touradas, é o ódio a um tipo de argumentação mesquinho que, vejam bem, serve para várias questões. Basta irmos a este sítio (http://www.cidadeantitouradas.org/index.php?option=com_content&task=view&id=26&Itemid=49) e lermos com isenção o que está escrito para disso nos apercebermos. Já disse que há argumentos contra as touradas que mexem comigo, que me deixam periclitante nos meus gostos. Mas digam-me lá, digam-me sinceramente, se este tipo de argumentação não vos lembra nada: «Sempre justificadas como tradição, as corridas de touros – vulgarmente conhecidas como touradas – são, na verdade, um dos costumes mais bárbaros existentes em Portugal, mantidas por um sector minoritário e ultrapassado da sociedade portuguesa. Por trás da suposta bravura dos cavaleiros tauromáquicos, dos bandarilheiros, dos forcados e dos demais intervenientes neste espectáculo medieval e degradante, está uma triste e horrível realidade – a perseguição, molestação e violentação de touros e cavalos que, aterrorizados e diminuídos nas suas capacidades físicas, são forçados a participar num espectáculo de sangue em que a arte é a violência e a tortura é a demonstração de cultura. Ao contrário do que os defensores das touradas alegam, é possível observar a expressão de medo e de confusão nos touros sempre que estes entram na arena, e que se agrava quando a tortura da tourada se acentua, à medida que as bandarilhas e os restantes ferros (que podem ter comprimentos variáveis entre os 8cm e os 30 cm, além de terem afiados arpões na ponta, para se prenderem à carne e aos músculos dos animais) rasgam os seus tecidos, provocando-lhes um sofrimento atroz, além de febres imediatas, acrescidas de um enfraquecimento acentuado pela perda de litros de sangue. Além disso, ao usarem esporas e ao serem extremamente agressivos com os cavalos para os forçarem a dirigir-se aos touros, os cavaleiros rasgam as costelas dos cavalos, que ficam severamente feridos, sangrando consideravelmente. Enquanto o touro é brutalizado na tourada, enquanto o cavalo é também vítima desta brutalização, e enquanto o sangue de ambos os animais escorre e mancha a arena em que este acto deplorável acontece, não são apenas toureiros (cavaleiros tauromáquicos e bandarilheiros) que participam nesta festa de sacrifício de animais – existe um público presente que, por minoritário que seja na sociedade portuguesa, aprecia e aplaude a violência a que assiste, regozijando-se com o sofrimento bárbaro que ali é infligido aos animais. A “pega” consiste em enfrentar um touro que tem cerca de oito ferros cravados no dorso, que está gravemente febril e que já perdeu muitos litros de sangue, com a “bravura” de oito indivíduos que atacam um animal nestas condições, puxando-o, empurrando-o, pontapeando-o e esmurrando-o, puxando-lhe o rabo, por fim…. Por aí fora. Esta retórica preconceituosa e sensacionalista não vos lembra nada? A mim lembra, e não preciso de pensar muito no assunto.
Adenda: Hoje vou comer codorniz. Nas traseiras da casa do meu sogro, que já foi criador de codornizes, há um matadouro de codornizes e perdizes. Não vou sequer referir a vida desses animais até chegarem ao matadouro. Quando aí chegam, são penduradas vivas pelos pés nuns ganchos – sente-se e ouve-se os tendões dos pés a estalar e a partir -, depois levam choques eléctricos e, por fim, corta-se-lhes a cabeça. É importante referir que muitas dessas aves, antes de lhes ser cortada a cabeça, ainda estão vivas – isto apesar dos choques. A indústria alimentar é um pouco disto, mas podem imaginar o que será com porcos, leitões, novilhos, vacas, etc, etc, etc. Se quiserem trago fotografias. Em suma, o meu post, para que fique bem entendido, mais do que ser um elogio das touradas é contra uma certa retórica contra as touradas que me deixa sempre angustiado. Angustiado no sentido de verificar que essa mesma retórica vale para outras questões, é uma retórica preconceituosa e sensacionalista onde ao que se diz, hipocritamente, não se junta o que se faz. Para perceberem melhor o que pretendo, sugiro a leitura de um post no weblog Cinco Dias sobre touradas e aborto: http://5dias.net/2006/10/17/as-touradas-e-o-aborto/ . Saúde a todos,
Não, angi. Antes pelo contrário. :) O que eu julgo, mas já estava à espera disso, é que algumas pessoas não entenderam bem o que aqui está em causa. Isto é, a argumentação. E mais: é um pouco desonesto dizer-te isto, pois apagaste o comentário, mas espero que não me leves a mal - isto não é vós (dar-nos) e eu, há pessoas que pensam como eu nesta matéria. Aliás, o vós, aqui, não existe. Existem vozes discordantes, por razões diferentes. Se leres bem o post (a escolha do título não foi inocente) verás que o que aqui está em causa não é tanto as touradas (há coisa de 15 anos que não frequento, apesar de gostar de ver uma boa pega na TV :-) como é a argumentação anti-touradas, alguma da argumentação que foi utilizada nestes comentários. Duvido que noutras matérias consigam ser tão assertivos na defesa de um valor... inviolável. (Nota: os comentários deletados aparecem na mesma no e-mail.)
Excelente post!
Eu faço parte desta minoria que quer manter as touradas e as praças de touros...
Argumentos não vou deixar, os anti-touradas de certa que não iriam compreeender devido ao seu cérebro minuscúlo enfim... Um OLÉ para todos! e viva LA FIESTA!
Não se pode justificar um erro com outro erro. "Se matam aqui, porquê não posso matar ali?", "Se criam animais para peles, porque não ir a uma tourada?"; "Se ele roubou, porque não posso roubar?"; etc. Lamento ser este o espírito do ser humano no século em que nos encontramos... Lamento pelos apreciadores do sofrimento alheio, lamento por mim por fazer parte desta mísera espécie humana que se considera dono do mundo e da vontade daqueles que apenas não conseguem pronunciar-se verbalmente.
Lágrimas..., só lágrimas...vermelhas, na cor e na dor, como o sangue e lamento dos que sofrem,que morrem, seja nas touradas, nos abatedouros,ou outro inferno. E vem uma vontade incontrolável de ver em vocês- que apóiam essas "festas" tristes, de horror- num momento em que se machucassem, o sangue escorrendo com dor, mas muita dor... Ah...e pediria pra que proferissem todas as palavras e mais palavras...nojentas e mais nojentas que li aqui. E juro, que eu não entenderia e não socorreria.
Deus, perdoe-me..., mas como gostaria!!!!!!!!!
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