A PROSTITUTA
Quando a noite pare em sangue a madrugada
As constelações se desorganizam
As nuvens se encapelam
Quando os guindastes do porto se espreguiçam
Os muros do fortim alvejam
O caçador submarino já pode olhar nos olhos
O mero adormecido
Quando a fome come a criança da colina suja
Os bichos humanos chegam à lavoura farejando a névoa
Os passageiros do ar visitam a lua nova
O seringueiro não sorri
O porco não sorri
Não sorri não sabe rir nunca soube rir
Como não sabe rir a formiga
O pedregulho
O mendigo
O bode rupestre da falésia aguilhoada
Quando a noite se encerra e há uma pausa
O membro do marido emurchece no lençol
Quando o Nilo estende as suas barbas velhas ao sol
Quando o Rio Amarelo silenciosamente dá as cartas
O Don abre seus braços aos trigais
O Amazonas apodrece
Quando o riacho acorda o homem descalço
Quando o rio todos os rios vão recuperando a memória
E contam sussurrando
A história do mastim do lorde
O chicote do dono
A botina do polícia
O gancho do corsário
O milionário tumefato com uma luz no ventre
A metamorfose do chacal
Quando os rios se recordam
E vão contando
Sussurrando
Conspirando
Enlaçando as cidades frias e cálidas
Enlaçando os campos
Como no tempo de faraós possessos que uivavam
Dos profetas de longas barbas sujas
Como no tempo dos cantochões do convento
Do archote ao pé do cadafalso
Milhões de homens milhões de batalhas milhões de febres
Milhões
Milhões de ratazanas históricas
De escravos
De crucificados
É quando
O rio se lembra com dificuldade
(Ela que foi pura)
E vai cuspindo restos de lágrimas e lama
E se envergonha e quer morrer
É quando a prostituta se entreabre sobre a cama
E se fecha
E fica surda ao apelo do rio
E se entreabre devagar
E se fecha
Túmida flor que provocasse a náusea
Sentreabrindo
Se fechando
Opaca surda grossa
Na menstruação dolorosa de um grito que se fecha
No retraimento obsceno de um membro que emurchece
Então é quando a prostituta deveria sentar-se à margem do Hudson
E chorar
Chorar as lágrimas todas de seus olhos
De seus ouvidos
De suas narinas
De sua vagina
De suas mãos, de seus pés
Chorar as vezes que não chorou
Chorar o sangue o mênstruo o leite
Chorar como os rios choram sem tempo e surdos
Como o conde Ugolino
As santas estigmatizadas
Chorar como choram os mendigos
Um pranto sujo
Um mênstruo rude
Um leite envenenado.
As constelações se desorganizam
As nuvens se encapelam
Quando os guindastes do porto se espreguiçam
Os muros do fortim alvejam
O caçador submarino já pode olhar nos olhos
O mero adormecido
Quando a fome come a criança da colina suja
Os bichos humanos chegam à lavoura farejando a névoa
Os passageiros do ar visitam a lua nova
O seringueiro não sorri
O porco não sorri
Não sorri não sabe rir nunca soube rir
Como não sabe rir a formiga
O pedregulho
O mendigo
O bode rupestre da falésia aguilhoada
Quando a noite se encerra e há uma pausa
O membro do marido emurchece no lençol
Quando o Nilo estende as suas barbas velhas ao sol
Quando o Rio Amarelo silenciosamente dá as cartas
O Don abre seus braços aos trigais
O Amazonas apodrece
Quando o riacho acorda o homem descalço
Quando o rio todos os rios vão recuperando a memória
E contam sussurrando
A história do mastim do lorde
O chicote do dono
A botina do polícia
O gancho do corsário
O milionário tumefato com uma luz no ventre
A metamorfose do chacal
Quando os rios se recordam
E vão contando
Sussurrando
Conspirando
Enlaçando as cidades frias e cálidas
Enlaçando os campos
Como no tempo de faraós possessos que uivavam
Dos profetas de longas barbas sujas
Como no tempo dos cantochões do convento
Do archote ao pé do cadafalso
Milhões de homens milhões de batalhas milhões de febres
Milhões
Milhões de ratazanas históricas
De escravos
De crucificados
É quando
O rio se lembra com dificuldade
(Ela que foi pura)
E vai cuspindo restos de lágrimas e lama
E se envergonha e quer morrer
É quando a prostituta se entreabre sobre a cama
E se fecha
E fica surda ao apelo do rio
E se entreabre devagar
E se fecha
Túmida flor que provocasse a náusea
Sentreabrindo
Se fechando
Opaca surda grossa
Na menstruação dolorosa de um grito que se fecha
No retraimento obsceno de um membro que emurchece
Então é quando a prostituta deveria sentar-se à margem do Hudson
E chorar
Chorar as lágrimas todas de seus olhos
De seus ouvidos
De suas narinas
De sua vagina
De suas mãos, de seus pés
Chorar as vezes que não chorou
Chorar o sangue o mênstruo o leite
Chorar como os rios choram sem tempo e surdos
Como o conde Ugolino
As santas estigmatizadas
Chorar como choram os mendigos
Um pranto sujo
Um mênstruo rude
Um leite envenenado.
Paulo Mendes Campos nasceu em Belo Horizonte a 28 de Fevereiro de 1922. Estudou Odontologia, Veterinária e Direito, não chegando a completar nenhum dos cursos. Ingressou na vida literária muito cedo, dirigindo o suplemento literário da Folha de Minas. Em 1951 lançou o seu primeiro livro de poemas, A palavra escrita. Traduziu Júlio Verne, Oscar Wilde, John Ruskin, Shakespeare, Neruda, entre outros. Faleceu em 1991.
1 Comments:
É impressionante, este poema.
E é um prazer reler os seus posts com calma.
Grande abraço,
Silvia
Enviar um comentário
<< Home