ÁRVORE DE NATAL
E se na rua um contrabaixo passasse por si e lhe oferecesse um ramo flores? E se as flores, num repente improvável, se metamorfoseassem em serpentes dançando ao ritmo das pessoas que passam na rua? E se a rua se estendesse sob as pessoas que passam como um rio se estende sobre a terra que fica? Pouco importa que o espectáculo ainda dure, temos tempo, não temos tempo, temos espera. Só nos falta a dança. Imaginem um pai a atravessar ruas atoladas de gente agarrada às montras das lojas, centros comerciais a rebentarem pelas costuras, braços pintados de nódoas negras, pulmões em estado de latência, mãos carregadas de desespero, sacos de presentes, pernas trémulas, suor, tremores, o chegar a casa para um banho de imersão e um livro de poesia à lareira, o desistir do banho e do livro para abrir resmas de envelopes com contas por pagar. Atirem-se as contas à fogueira, à fogueira com as contas por pagar, à fogueira com os prospectos, à fogueira com as plásticas árvores de Natal fabricadas na China, à fogueira com a neve artificial, a publicidade, os enfeites, as cantigas delicodoces, o menino Jesus nas palhas deitado, as palhas deitadas no menino Jesus, à fogueira com o Natal dos Hospitais e o Natal das Prisões, à fogueira com a prisão natalícia deste espectáculo repugnante. Estou sem tempo para pensar os sonhos barrocos de quem passa, estou sem tempo para a vastidão das forjas capitalistas, tenho o sangue indesejado dos justiceiros, só penso no longe, no longe, no longe do longe, aqui tão perto: a paciência do burguês comovido com o tom das unhas da senhora que faz embrulhos, o susto das crianças perdidas entre as prateleiras do supermercado, o bailio dos números. Se fosse impossível, tornaria possível este sonho: garimpar a minha solidão no vazio de um salão de festas, o salão federativo, associativo, cooperativo, dos malandros que passam entre as mil maneiras de uma vinha crescer e dar vinho. Não. Troque-se a vinha por um eucaliptal, há lá árvore mais rentável!
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