13.12.06

QUANDO ESTAMOS MAL, DIZEMOS

Quando estamos mal, dizemos
Que, evidentemente, os tempos são assim,
Mas dizemos com as palavras
Que o próprio tempo nos ditou,
E vamos ligados para sempre
À sua severa tutela,
Ao facto de haver grandes planos,
Ao facto de haver grandes feridas,
De modificarmos a natureza,
De morrermos das dificuldades,
E das nossas pernas estarem habituadas
Aos alertas aéreos e terrestres,
De contarmos os dias por grandes unidades,
Da nossa vida estar cosida em grandes pontos,
De nenhum desastre no mundo
Este fino fio poder romper.
Seja azar ou boa sorte,
Mas não podemos viver de outra maneira,
Não mudamos – nós teimosos –
Estes anos, nem estes dramas,
Não mudamos o nosso lote,
Não mudamos o nosso papel –
Representado no silêncio ou em voz alta,
Como herói ou como figurante,
Mas diante de todos se responderá
Pelo seu tempo e não por si só.


Tradução de Manuel de Seabra.

IlyaEhrenburg

Ilya Ehrenburg nasceu no dia 26 de Janeiro de 1891 em Kíev, na Ucrânia. De ascendência judaica, mudou-se com a família para Moscovo quando tinha apenas cinco anos. Foi preso em 1908 por actividades revolucionárias, emigrando para França após a libertação. A sua primeira colectânea de versos, intitulada Stikhi, aparece em 1910. Em Paris torna-se amigo de Picasso, Apollinaire, Léger, entre outros, ganhando a vida como correspondente de vários jornais russos. Autor de romances, pequenas histórias, poemas, fez parte do grupo construtivista, tendo-se oposto ao Realismo Socialista de Gorky. Recebeu o Prémio Estaline em 1942 e 1948 e manteve alguma actividade política relevante, assumindo posições por vezes controversas, nos últimos anos da sua vida. Morreu em Moscovo no dia 31 de Agosto de 1967. »