12.12.06

Fragmento #42 - Comboios

Perdi-me em adulta nos comboios alemães, quando voltava de Heidelberg: enganei-me na estação de Mainz, porque estava em obras; fez-se tarde e não reconheci o caminho de volta a partir de Wiesbaden e tive de voltar para trás; nos comboios regionais, saí num lugar escuro de ninguém e tive de voltar de novo; o interior das máquinas era vazio, pontuado por alguns alienados; ouvi a certa altura a abertura de uma garrafa de vinho ao fundo, o ploc da rolha, claro, estava em pleno Vale do Reno onde se produzem vinhos que parecem refrescos florais; uma alemã que arranhava o inglês indicou-me por fim uma estação que tinha um café, onde telefonei para me irem buscar, porque não fazia a mínima ideia onde me encontrava; tudo à minha volta era um campo infinito nocturno sem viva alma. O equivalente em Portugal seria uma alemã enganar-se e sair de noite em Vila Nova da Baronia em vez de ir parar a Beja. Os alemães no campo não falam nenhuma língua, apenas a deles, nalgumas cidades de província também é assim. Em Heidelberg falam inglês e andam de bicicleta, lá situa-se uma das mais antigas universidades da Europa; não percorri o caminho dos filósofos à beira rio, tenho de lá voltar, não visitei o castelo, nem o Jardim Zoológico, apenas andei nas ruas a olhar para os edifícios, a espreitar as janelas; quero voltar ao silêncio das ruas alemãs, àquela ordem austera para sentir frio no nariz e percorrer aquele caminho à beira rio; vou ter que insistir porque existem coisas que são mais importantes que o dia-a-dia, vou voltar atrás outra vez. Isto tudo foi no tempo em que era monja ou o raio que o parta, também visitei o convento da Hildegard von Bingen. Já não me perco no caminho de volta, nem mesmo no escuro, estou vacinada e tenho mapas. Agora dizes-me que sonhaste com o quadro que está por cima da minha cama ao som de comboios, era tudo vermelho e negro; parecia um filme sueco? A novidade é que vivo mesmo junto a uma estação de comboios e eles ouvem-se na minha casa, acompanham o meu descanso e cansaço; tu não reparaste nisso, mas só poderias acordar muito bem disposto.
Maria João