2.1.07

Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, num sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…

Verbo crepuscular e íntimo alento
Das coisas mudas; salmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do Mundo e o seu lamento?

Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmãs da minha, almas cativas!

Antero de Quental

Antero de Quental nasceu em Ponta Delgada, Açores, a 18 de Abril de 1842. Dez anos mais tarde, mudou-se com a mãe para Lisboa. Escreve os primeiros versos, em 1856, depois de ser inscrito como aluno interno no Colégio de S. Bento, em Coimbra. Concluídos os estudos preparatórios, matricula-se em Direito na Universidade de Coimbra. Começa a publicar nos Prelúdios Literários e dirige o jornal O Académico. Participa na fundação da Sociedade do Raio, caracterizada por lançar desafios blasfemos a Deus. Após a conclusão do curso de Direito, em 1864, viaja pelos Estados Unidos e Paris, trabalha como tipógrafo, em Lisboa e Paris, forma o Canáculo. Em 1874 adoece de psicose maníaco-depressiva, doença que o afligiu até ao termo da vida. Em 1884 encontra-se com Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão no Palácio de Cristal, onde tiram a fotografia do «grupo dos cinco». Suicidou-se com dois tiros, a 11 de Setembro de 1891.