AS MUSAS
(Improviso feito no Suíço)
Salta papel e pena e inspiração p’ra três!
Para dois. Vai-se embora o Gonçalves. Burguês
Pacato e pontual – ó que infâmia! ó que logro! –
Tem a sua mulher em casa de seu sogro
À espera. O rolo vai à procura da rola.
Gonçalves exumou do bolso uma cebola
Cronométrica, e disse: Este ponteiro marca
As onze e meia. Adeus, Abílio; adeus, Petrarca.
Boas noites, Queirós Veloso, eu vou p’rá cama.
Fique no Porto, Abílio. Eu também tenho a chama,
A chama genial, a chama que calcina
Do antigo menestrel a abóbora-menina.
Vou-me embora. Mas se, Junqueiro, tu não partes,
Hás-de ver amanhã à noite as minhas artes.
Tu vais ver, tu vais ver, cantor de coisas ternas,
Como é que eu arrebento um Pégaso entre as pernas,
Como é que eu domestico e como é que eu esfolo
A besta sobre a qual Tomás Ribeiro e Apolo
Têm feito a travessia imensa que conduz
À pasta, à posta, ao pasto… enfim, céus, à grã-cruz!
Tu hás-de ver, Junqueiro, oh! hás-de ver, caramba!
O Pégaso dançar valsas na corda bamba
Do hemistíquio, atirando – ó Junqueiro, hás-de vê-las!
Parelhas de partir a cara das estrelas
A couces. Hás-de ver mil ciclones danados
De versos, a correr, mancos, em pés quebrados,
Qual gotoso tropel bêbado de Silenos
A claudicar atrás dos três vinténs de Vénus.
O Ideal é um virgo; eu sou o garanhão sublime
Que o padreia. Emprenhar as musas será crime?
Ó jamais! Fecundar esses ventres divinos
É criar Assunções, é produzir Latinos
Coelhos, é dizer à pasta da Marinha:
- Toma lá, aqui tens o autor da Morgadinha –
Crica de Musa tem sempre a bombardeá-la
Meu caralho expluindo esporras de Bengala,
Uma langonha espessa, um grude arquibrutal,
Que entra vela de sebo e sai depois – Vidal.
Quando eu emprenhei, na primeira noitada,
Calíope, saiu uma rica charada
No almanaque de Rodrigues Cordeiro.
Terpsicore fodi-a, ó meu caro Junqueiro,
Numa noite de Inverno e com o rabo alçado!
Que soberba mulher! Porra! dei-lhe um cruzado
E dez fodas. Das dez fornicações alvares,
Sabes tu quem nasceu, sabes? – Justino Soares.
Em seguida atirei-me a Tália. Tália
Encontrei-a em Lisboa, em casa de uma tia,
Rua das Gáveas. Aí, nessa noite funesta,
Com a triste piroca exígua que me resta
Dos gálicos do Pindo, eu fui ao cu da Musa;
E, nessa escuridão gomórrica e confusa,
Minha porra encontrou, atascados em merda,
Chagas, Mendes Leal e o César de Lacerda.
Volvidos dias três, três sóis volvidos, eu,
Com a alma mais triste e negra do que breu,
Procurei um doutor, um dos grandes portentos
Que fazem dos bubões e dos esquentamentos
Modos de vida, e disse ao meu doutor: Doutor
Eis aqui este gancho, eis aqui esta dor
E esta porra. Acordei hoje com tudo isto.
Que desgraça, doutor! Veja você – um Cristo!...
Observe-me esta porra, ó conspícuo alveitar:
Vê esta purgação? – são os Homens do Mar:
Cinismo, cepticismo e crença, em Alviela,
Correm daqui. Maldita, ó! maldita a panela
De Tália, onde encontrei esta gálico novo,
Feito da Probidade e do Drama do Povo!
E o profundo doutor retorquiu desta sorte:
- Tália tem nu cu Chagas, isto é, a morte;
Tem Lacerda – o flagelo! – e tem Mendes Leal!
Uma combinação da Escola social
E Judia produz este gálico raro
Que se arranja no Pindo e que se cura em Faro.
Gonçalves exprimiu assim seu pensamento
E eu disse-lhe: - Você, Gonçalves, tenha tento
Na bola e não me foda as Musas de tal guisa.
As Musas imortais fodem-se com camisa
De Vénus. Pois você, ó Gonçalves dos diabos,
De rabo alçado enraba assim os nove rabos
Dessas Musas, e quer você, inda por cima,
Ter talento e saúde. Um homem, quando arrima
Uma trombicadela, é preciso levar
Um antídoto bom contra os Homens do Mar…
Salta papel e pena e inspiração p’ra três!
Para dois. Vai-se embora o Gonçalves. Burguês
Pacato e pontual – ó que infâmia! ó que logro! –
Tem a sua mulher em casa de seu sogro
À espera. O rolo vai à procura da rola.
Gonçalves exumou do bolso uma cebola
Cronométrica, e disse: Este ponteiro marca
As onze e meia. Adeus, Abílio; adeus, Petrarca.
Boas noites, Queirós Veloso, eu vou p’rá cama.
Fique no Porto, Abílio. Eu também tenho a chama,
A chama genial, a chama que calcina
Do antigo menestrel a abóbora-menina.
Vou-me embora. Mas se, Junqueiro, tu não partes,
Hás-de ver amanhã à noite as minhas artes.
Tu vais ver, tu vais ver, cantor de coisas ternas,
Como é que eu arrebento um Pégaso entre as pernas,
Como é que eu domestico e como é que eu esfolo
A besta sobre a qual Tomás Ribeiro e Apolo
Têm feito a travessia imensa que conduz
À pasta, à posta, ao pasto… enfim, céus, à grã-cruz!
Tu hás-de ver, Junqueiro, oh! hás-de ver, caramba!
O Pégaso dançar valsas na corda bamba
Do hemistíquio, atirando – ó Junqueiro, hás-de vê-las!
Parelhas de partir a cara das estrelas
A couces. Hás-de ver mil ciclones danados
De versos, a correr, mancos, em pés quebrados,
Qual gotoso tropel bêbado de Silenos
A claudicar atrás dos três vinténs de Vénus.
O Ideal é um virgo; eu sou o garanhão sublime
Que o padreia. Emprenhar as musas será crime?
Ó jamais! Fecundar esses ventres divinos
É criar Assunções, é produzir Latinos
Coelhos, é dizer à pasta da Marinha:
- Toma lá, aqui tens o autor da Morgadinha –
Crica de Musa tem sempre a bombardeá-la
Meu caralho expluindo esporras de Bengala,
Uma langonha espessa, um grude arquibrutal,
Que entra vela de sebo e sai depois – Vidal.
Quando eu emprenhei, na primeira noitada,
Calíope, saiu uma rica charada
No almanaque de Rodrigues Cordeiro.
Terpsicore fodi-a, ó meu caro Junqueiro,
Numa noite de Inverno e com o rabo alçado!
Que soberba mulher! Porra! dei-lhe um cruzado
E dez fodas. Das dez fornicações alvares,
Sabes tu quem nasceu, sabes? – Justino Soares.
Em seguida atirei-me a Tália. Tália
Encontrei-a em Lisboa, em casa de uma tia,
Rua das Gáveas. Aí, nessa noite funesta,
Com a triste piroca exígua que me resta
Dos gálicos do Pindo, eu fui ao cu da Musa;
E, nessa escuridão gomórrica e confusa,
Minha porra encontrou, atascados em merda,
Chagas, Mendes Leal e o César de Lacerda.
Volvidos dias três, três sóis volvidos, eu,
Com a alma mais triste e negra do que breu,
Procurei um doutor, um dos grandes portentos
Que fazem dos bubões e dos esquentamentos
Modos de vida, e disse ao meu doutor: Doutor
Eis aqui este gancho, eis aqui esta dor
E esta porra. Acordei hoje com tudo isto.
Que desgraça, doutor! Veja você – um Cristo!...
Observe-me esta porra, ó conspícuo alveitar:
Vê esta purgação? – são os Homens do Mar:
Cinismo, cepticismo e crença, em Alviela,
Correm daqui. Maldita, ó! maldita a panela
De Tália, onde encontrei esta gálico novo,
Feito da Probidade e do Drama do Povo!
E o profundo doutor retorquiu desta sorte:
- Tália tem nu cu Chagas, isto é, a morte;
Tem Lacerda – o flagelo! – e tem Mendes Leal!
Uma combinação da Escola social
E Judia produz este gálico raro
Que se arranja no Pindo e que se cura em Faro.
Gonçalves exprimiu assim seu pensamento
E eu disse-lhe: - Você, Gonçalves, tenha tento
Na bola e não me foda as Musas de tal guisa.
As Musas imortais fodem-se com camisa
De Vénus. Pois você, ó Gonçalves dos diabos,
De rabo alçado enraba assim os nove rabos
Dessas Musas, e quer você, inda por cima,
Ter talento e saúde. Um homem, quando arrima
Uma trombicadela, é preciso levar
Um antídoto bom contra os Homens do Mar…
Guerra Junqueiro nasceu em Freixo de Espada à Cinta, a 17 de Setembro de 1850. Foi bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Iniciou a sua carreira literária no jornal literário A folha, criando relações de amizade com alguns dos escritores do grupo geralmente conhecido por Geração de 70. Estreou-se em 1864, com Duas Páginas dos Catorze Anos, uma série de poemas ainda influenciados pelo ultra-romantismo. Em 1875 dirigiu, com Guilherme de Azevedo, a revista Lanterna Mágica (onde surgiu a célebre caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro, o «Zé Povinho»). Em 1888 constitui-se o grupo dos Vencidos da Vida, de que Junqueiro fez parte tornando-se o mais popular poeta panfletário da sua época, assinando textos de sátira violenta, quer ao clero, quer à monarquia. Faleceu em Lisboa, a 7 de Julho de 1923.
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