23.5.07

COMO O ÍPSILON SE PÕE DE JOELHOS MAS NÃO É PARA REZAR


1. O jornal Público mudou. Além de mais moderno é, neste momento, um jornal pior. O suplemento ípsilon resume bem o sentido da mudança: mais espaço à imagem, muita cor, muita notícia – treta - estrangeira, cada vez menos notícia portuguesa. Tenho pena dos bons jornalistas que são obrigados a trabalhar nestas condições [por isso vos digo, bons jornalistas: não desistam assim tão depressa]: passar a vida a falar do Harry Potter, do último (e ainda mais terrível uuuuuuh) neo-conservador americano, da banda infantilóide que conquistou o mundo no myspace, ou seja, uma modernidade que é esta modernidade: o mostrar que conhecemos a moda – glamour-sensation-hype -, uma modernidade que não é feita por nós mas só (e tristemente) a realidade por nós reconhecida; é essa a nossa (de coisas como o Público) maior proeza: sermos dos primeiros a acompanhar, com o mínimo atraso que nos for possível, o que os outros fazem. Que coisa tão antiquada.

1.1. Chamo-lhe “modernidade” em sentido irónico e crítico, mas não só: trata-se efectivamente de modernidade, se por tal entendermos um conjunto de fenómenos que têm em comum a ilusão de contribuírem para anestesiar o efeito de desenraizamento que percorre as sociedades atravessadas pelo que uma parte do mundo contemporâneo convencionou chamar “globalização”.

2. A globalização que prescinde do “local” é uma globalização superficial. O que uma verdadeira globalização pode ter de bom é a presença do outro; e não o proporcionar-nos a saída daqui para muito longe, de forma a não sermos obrigados a ver, por exemplo, a cara dos nossos políticos ou a degradação das cidades.

3. Eu não tenho dúvidas de que o futuro passa pela valorização e construção de uma paisagem local (geográfica, física, artística, etc.) mais forte e viva, sem o que a “globalização” não passará, apenas, de uma estratégia de uniformização económica da realidade. A nossa música, a nossa sopa, o nosso sol, a nossa literatura, serão tanto mais globais quanto mais nossos forem.

4. Os únicos parolos são os que têm medo de parecer parolos. O Público é um jornal.




Rui Costa

4 Comments:

At 6:47 da tarde, Blogger SV said...

Sim, mas em comparação com as mudanças no DN... hem... pois.

Eu ainda estou para perceber a mudança da 6.ª para aquela espécie de TV Guia que sai às sextas-feiras.

 
At 8:17 da tarde, Anonymous Anónimo said...

E o "ípsilon", se me permites completar, um suplemento para parolos, com a devida ressalva das (poucas) páginas dedicas à crítica literária. Neste capítulo, não se pode pedir muito melhor: o Luís Miguel Queirós voltou a escrever; está lá o Mexia, o Pitta, o José Riço Direitinho...

Mas de facto, como diz o SV, escandaloso é o desaparecimentod o 6ª (que no último ano era bem melhor do que o "Y").

 
At 2:35 da manhã, Blogger Mário Pedro said...

Peço desculpa, mas não leio Ípsilon.
Ainda assim, não percebo como é possível que «sermos dos primeiros a acompanhar, com o mínimo atraso que nos for possível, o que os outros fazem» seja uma «coisa tão antiquada». Pelo menos, desde o séc. XVI. Talvez XVII, não sei...
O que «uma parte do mundo contemporâneo convencionou chamar “globalização”, porém, sei o que é. É aliás um processo muito antigo. A actual “globalização”, se não me engano começou exactamente no século XVI. É verdade que teve refluxos, sobretudo no séc. XX, onde também teve grandes avanços.
Uma coisa pareceu-me clara do teu “desabafo”, «a globalização que prescinde do “local” é uma globalização superficial». E logo, contraproducente ou inútil e ineficaz.
Eu também «não tenho dúvidas» quanto à «paisagem local». E sei que a esmagadora maioria dos parolos deste país está em Lisboa, escreve ou fala publicamente e muitas vezes é paga por todos nós. Mas não me parece sensato renegar o olhar para o futuro por causa disso!

 
At 12:20 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Rui: É isso mesmo!De que serve a globalização se olvidarmos o triângulo identidade-cultura-comunicação?Globalizar não pode significar a perda de uma identidade cultural, sob pena de cairmos numa massificação anglo-saxónica de literatura, música, cinema, etc.Mas isso é um papel que cabe a todos...
mcp:O Público e a maioria de outros jornais nacionais têm redacção também no Porto...daí que a "parolada" não possa ser considerada geográficamente circunscrita ou apanágio de um jornal em particular
PB

 

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