28.8.07

A VISÃO DA MORTE DE UM MOTOCICLISTA PERTURBADO

Em pleno campo,
Avanço por entre muralhas de chuva
Que me fustiga o rosto e me ensopa os joelhos,
Mas sou o homem que quero ser.

A charneca firme acaba e surge o pântano.
Estamos agora em guerra: quem ganhar
Não conseguirá submeter a minha vontade humana
À natureza embora seja de lá que ela veio.
As rodas afundam-se; o ruído nítido torna-se confuso:
Porém, curvado sobre o volante,
Lanço esta minha máquina que escolhi
Contra a possibilidade de ser um corpo ainda.
A roda da frente penetra com firmeza entre
Dois arbustos de um verde esmaltado e insensível
- Gigantesco equilíbrio no contorno
De cada folha lisa. Redemoinhos negros sobem
Em redor do meu pé que, comprimindo com força,
Acelera o sono que espera.

Costumava viver no ruído e desconhecia
A existência da realidade calma ou rastejante,
Mas agora as águas paradas, coladas ao meu rosto
Sob o peso da morte, retiram-me o alento;
Embora angustiado julgo que posso
Mover-me através da matéria. Encontro o meu caminho,
Onde a morte e a vida se conjugam,
Através da negra terra que não é minha,
Povoada de fragmentos, embotada, informe,
Enquanto pelos meus ouvidos, enxameados de ruído,
As extremidades brancas das plantas do pântano,
Lentas, sem paciência, espalham-se à vontade
Invulneráveis e flexíveis, e se estendem
Numa posse serena em direcção ao seu fim.

E embora os cogumelos quando eu apodrecer
Me recubram os ossos com lívidos nós,
Até enfunarem os meus fatos, eles fingem
Que este espantalho é de novo um homem,
E é como servos que persistem
Ou, sem qualquer vontade, se contorcem;
E o hábito, pelos homens laboriosamente
Adquirido, não os deixa cansados.
Essa vegetação converte célula após célula
A minha única riqueza em lixo:
Tudo o que obtêm, obtêm-no por acaso.

E multiplicam-se na ignorância.


Tradução de Maria de Lourdes Guimarães.

Thom Gunn

Thom Gunn nasceu em Gravesend, Kent, Inglaterra, no ano de 1929. Filho de jornalistas, foi abalado pelo suicídio da mãe quando ainda era adolescente. Em 1954, já depois de ter concluído estudos em literatura inglesa, publicou a sua primeira colecção de poemas: Fighting Terms. Muda-se para São Francisco. Homossexual assumido, consumidor de drogas, publica, em 1992, The Man With Night Sweats, dedicado a amigos vítimas de SIDA. É-lhe atribuído o Lenore Marshall Poetry Prize. Reúne a sua obra poética em 1994 e, em 1999, publica um volume de ensaios intitulado The Occasions of Poetry. Faleceu no dia 25 de Abril de 2004, nas sua casa em São Francisco.