PASTELARIA AVENIDA
Desfrutava eu o café da manhã em esplanada sita na rua dos cafés de São Martinho do… vocês sabem, quando me surgiu este axiomático pensamento: clássico pede clássico. Não senhores, não estava de O Vermelho e o Negro na mão, pese embora o facto de haver sido atacado por uma inusitada praga de mosquitos intelectuais, daqueles que se nos colam às páginas dos livros para aí, mistério indecifrável, se deixarem esborrachar com a mais ininteligível das canduras. Na verdade, pensava eu na partida das 20:45 quando me ocorreu o tal axioma. Podia ver a jogatina mesmo por aqui, pensei. Mas depois mirei as adolescentes imberbes da mesa do lado, partilhando filmes gravados em telemóveis de última geração, comentados em gargalhadas estridentemente dentífricas. Na esplanada fronteira àquela onde me encontrava, algumas mesas iam sendo ocupadas, muito lentamente, por casais erectos no tronco, mas clara e inequivocamente amolecidos nos gestos. Eles sentados a lerem o jornal, elas agarradas aos suplementos. Têm todas madeixas no cabelo. De vez em quando cumprimentam-se, com aquela pose administrativa de bradar aos céus. Bebem cálices de vinho do… vocês sabem, e fazem-me crer que nem de bermudas largam a pele de gestores, tão bancários que são nos cumprimentos, tão cumpridos que são nas posturas. O clima, pois então, não estava propício a bolas. Como anjinho caindo do céu, recebo mensagem no telemóvel. Era a minha irmã a convidar-me para uma sardinhada lá na terra. Dito e feito. Sardinhas, saladinha de tomate e pepino temperada pelo velho, companhia canina, regado por um fresquíssimo verdinho, como ditava o momento, de uma tal Quinta Villa Beatriz. Maravilha. Tudo corria pelos melhores que até dava para desconfiar. E com razão. Em casa da minha irmã nada de canal desportivo. Conversa puxa conversa, combino com o velho descermos à cidade – cof, cof – para vermos a bola. Nos entretantos, fui-lhe escutando, com a mesma devoção de sempre, histórias antigas, das quais retive, com especial interesse, certa lenda sobre o melhor guarda-redes português de todos os tempos. De seu nome, Carlos Gomes. Parece que este tal Carlos Gomes, perdido de amores por menina de alta patente, teve que se pôr na alheta no intervalo de um jogo, sob pena de ser arrastado (pela PIDE – pudera!) a cumprir pena nos calaboiços do ancient regime. Outros tempos. Chegada a hora, descemos à cidade. Após duas malogradas tentativas, abancámos na clássica Pastelaria Avenida. Fauna cinquentona, a esticar para os sessentas, maioritariamente masculina. Minto. Exclusivamente masculina, à excepção honrosa de duas moçoilas do leste que serviam à mesa águas com gás, imperiais, atractivos. Ouvi dizer que o Pedro Emanuel agrediu o Derlei. Não vi nada, entretido que estava com os olhos de uma das moçoilas do leste. Também me dizem que o João Moutinho ia ficando sem uma perna, por culpa de uma entrada de Bosingwa. Também não vi, vidrado que estava numa tatuagem num braço de uma das moçoilas do leste. E falam-me de uma entrada de Quaresma sobre Miguel Veloso que era para expulsão, agravada de, pelo menos, cinco anos de pena suspensa. Confesso, tanto quanto rogo perdão, por não ter visto, tão concentrados que os meus olhos estavam nos atractivos que as moçoilas do leste serviam à mesa. Enfim, diz-se que o árbitro viu num corte de Polga um passe para o guarda-redes, o qual veio a resultar na falta que permitiu ao Futebol Clube do… vocês sabem, levar de vencida o clássico. Mais uma vez, e para terminar, eu não vi nada, eu nada vi. Estava com as moçoilas do leste na cabeça. Ao que aparenta, o árbitro também.
3 Comments:
sou do FC Porto. não festejei o golo. mas festejo o teu texto!
antes do apito-dourado as moçoilas eram do brasil, agora pelo que vejo ganhámos à conta de moçoilas vindas do leste. deve ser para despistar a polícia.
marcou-se uma falta, foi elevadamente executada, parabéns aos fazedores de golos daqueles. GOLOOO!
Jorge Garcia Pereira
loucomotiva.blog.com
:)
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