CUSPO
Sabes bem que a morte sabe a carne de porco, sabe a bifana, sabes bem qual o sabor da morte, e sabes o preço, não me venhas com lérias, tu sabes bem o preço da morte, tu todos os dias pagas a morte, todos os dias comes a morte, as tuas refeições, todos os dias levam-te a morte à boca, por isso não me venhas com lérias, tu sabes bem que trocas a morte por vales no Intermarche, e depois vens-me para o colo com as lágrimas secas desse teu choro arrependido, era o que mais me faltava, ter que te aturar as lágrimas secas do teu choro arrependido, devias saber, tu que todos os dias te alimentas da morte, que eu já dei para o peditório das lágrimas secas dos choros arrependidos, prefiro a humidade das mãos nervosas, a pele suada dos impacientes, as unhas agitadas das mentes inquietas, prefiro essa humidade irrequieta de quem olha o céu e vê numa estrela um grão de infinito, a medida da nossa insignificância, os ermos, um cibo de morte entre milhões de corpos animados pela luz das estrelas longínquas, porca esperança, pudesse ela ser trocada por vales no Intermarche, porca esperança, faríamos bifanas dessa esperança, bem regada com mostarda, cerveja preta, engolida de um trago, a esperança, agora não me venhas com esse teu choro, ponho-me a andar e nunca mais terás a oportunidade de um rosto onde o teu cuspo caia bem, porque o teu cuspo é um cuspo exigente, não é cuspo que se cole a qualquer rosto, é cuspo artístico, delineado, previamente formado nas mandíbulas policromáticas da tua arte, ah como cai bem o teu cuspo nas minhas faces, como escorre bem na minha pele arrojada, como uma espécie de sinal expelido contra a superfície gelada de um corpo, como patins no gelo, cerrando o gelo, costurando os dentes, ah, feliz de quem pode assim ser cuspido.
2 Comments:
Penso que não deves conhecer essa pessoa!
Joaquim
É uma reflexão bonita Henrique!
Abraço
Joaquim
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