16.11.07

A CORRENTE DOS FILMES


Carla, não tens que me pedir desculpa. Eu é que te agradeço. Aliás, estava a desesperar que nunca mais me chegava essa dos filmes. Só que cinco filmes é muito pouco, é um desafio quase macabro. Reparei que o Sérgio safou-se reduzindo o espectro a um filme por cada letra do seu apelido. Como o meu apelido é Fialho (seis letras), não adoptarei a mesma técnica. Tinha o Bento, hipótese que recuso por me parecer já demasiado forçada. Optarei antes pela espontaneidade. E assim de repente lembro-me de Nu (1993), O Sabor da Cereja (1997), Ossos (1997), A Barreira Invisível (1998) e Dolls (2002). Não, confesso que não foi de repente. Foram escolhidos a dedo e, só para contrariar, são todos a cores e relativamente recentes.
Naked porque Mike Leigh, sendo actualmente um dos meus realizadores de eleição, conseguiu nesse filme desenhar uma personagem tão cínica quão convincente. Daquelas personagens que não esquecemos por com elas nos identificarmos sem que com elas ousemos encontrar quaisquer semelhanças. Parece um paradoxo, mas não é. A personagem aí interpretada por David Thewlis é por fora o que muitos de nós somos por dentro, uns atormentados da vida - problema cuja solução, sabemos mas parece que não queremos, é a ausência de sentido, o absurdo.
O Sabor da Cereja, de Abbas Kiarostami, porque aborda com especial despojamento, sem moral nem censura, um dos temas mais complexos da psicologia humana: o suicídio. É um tema que me atrai muito, um tema que sempre me atraiu muito, e que no filme de Kiarostami acaba por ser encenado de uma forma até algo "cómica". Curiosamente, sempre que revejo o filme fico com mais vontade de viver. Talvez para volta a vê-lo.
Escolho Ossos em representação do cinema português, um cinema mal tratado pelo público português – verdade que, muitas vezes, também mal tratado pelos cineastas portugueses -, mas que nos oferece, de tempos a tempos, um filme de génio. Pedro Costa é um artista, um poeta das imagens, não é apenas um contador de histórias como se limitam a ser muitos realizadores. Ossos mostra-nos o esqueleto de uma sociedade em ruptura, à beira de um abismo que não assumimos como quem não quer assumir que tem um tumor ao mesmo tempo que o olha na radiografia.
Depois há a guerra, a situação limite, filmada n’A Barreira Invisível com uma poesia única, original, deslumbrante. A Barreira Invisível, de Terrence Malick, é o meu tratado existencialista, um filme repleto de dúvidas, as mesmas dúvidas que andamos a colocar desde que colocamos dúvidas. Tudo passa pela barreira invisível, num cenário que é, como disse, o mais limite dos cenários - por isso mesmo aquele que melhor nos interpela quanto à nossa razão de ser. Afinal, as três velhas questões: quem somos? de onde vimos? para onde vamos?
E, para terminar, um filme de Takeshi Kitano. Sou fã do cinema oriental, assim como o sou de alguma poesia e de muitas outras coisas lá dessas bandas. Dolls tem tudo o que aprecio lá desses orientes onde nunca estive senão por meio da arte e da imaginação. É verdade que nós vivemos sempre cheios de mitos quanto àquilo que não conhecemos. Mas como já tenho dito por aqui, deixem-nos lá viver com os nossos mitos. O meu mito é o mito do amor. É o mito de que, apesar de tudo, ainda vale a pena andar por cá. Porque é por cá que o amor existe, mesmo quando envolto num manto de tristeza e de melancolia. Mas o amor é isso, não é?

Passo a palavra, com muito gosto e porque gostaria mesmo muito que respondessem, ao José Miguel Silva (Sanshô Dayu, O Intendente Sanshô, Sanshô, the Bailiff, Sansho Dayu – Ein Leben ohne Freiheit, L'intendente Sansho - e com muita razão, digo eu), ao Filipe Guerra (só lido...), à C (Zéro de conduite, Simon del desierto, Le Procès de Jeanne d'Arc, Scénario du film Passion), à Alexandra (Mouchette, Uma Visita ao Louvre, Conto de Inverno, Livro de Cabeceira, O Último Ano em Marienbad) e ao Lourenço (E.T., Lost Highway, Morangos Silvestres, Ikiru, Apocalypse Now).

3 Comments:

At 10:25 da manhã, Blogger Lourenço Bray said...

Epá, escolheste uns que eu podia ter escolhido: o barreira e o sabor da cereja :)
vou responder, abraço!

 
At 8:07 da tarde, Blogger Carla de Elsinore said...

em boa verdade só agora reparo que deixei a guerra de fora mas se entrasse seria com certeza com a "barreira..." ou com as "cartas..." do clint.
e henrique, eram dois desafios...;-)

beijinhos

 
At 11:14 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ah! Mas o primeiro já tinha sido respondido:

http://antologiadoesquecimento.blogspot.com/2007/10/duplamente-acorrentado.html

 

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