4.12.07

LA HACHE DE BARNEY

Arman
A minha cabeça inventa martelos que partem sons, porque na minha cabeça os sons são corpos orgânicos com uma consistência material. Os sons são corpos físicos sem espaço, o espaço dos sons é o seu próprio corpo, cada som é o universo reduzido à dimensão de um fenómeno. Consiste a minha tarefa nesta comovente tentativa de reconstruir sobre a página cada som que é partido dentro da minha cabeça, já que dentro da minha cabeça, quando partidos, os sons ficam estilhaçados, como se fossem ruídos, fragmentos de uma garrafa de vidro espalhados pelo chão. É preciso ter cuidado ao andar sobre o chão da minha cabeça, há por lá imensos fragmentos de vidro, lascas, que podem perfurar a carne dos pés. Já me tem acontecido sangrar dos pés por não ter tido a mínima precaução ao sair para dentro de mim. Ponho-me a andar descalço dentro da minha cabeça, piso as lascas, corto-me e sangro. Depois os sons surgem rubros, pingando gotas de sangue, vão parar à página como se fossem feridas insaráveis, ou crostas vivas, os sons vão parar à página com a textura de crostas vivas. Quando tal acontece olho a página e desculpo-me perante os outros que também a olham com asco, digo que estava a sangrar do nariz quando estava a reconstruir sobre a página os sons que parto dentro da minha cabeça, invento histórias para disfarçar o que é óbvio: eu nunca espirro, sucede apenas que às vezes corto os pés quando ando sobre os vidros espalhados pelo chão da minha cabeça. Este embuste com que me esquivo a considerações menos justas acerca da minha personalidade é apenas um modo de responder aos meus próprios defeitos, ocultando as barbas do delírio que ainda me vai garantindo estar eu mais vivo do que morto. Não fosse este delírio e há muito tinha posto termo à vida. Para mim o mais importante é deixar o delírio cantar. E esconder das más-línguas as provas irrefutáveis da nossa alucinação, pois nada há mais doentio do que desaparecer para sempre no nome e no número que nos conferem identidade.