21.3.08

O VÍDEO

Antes de mais, impõe-se uma manifestação de solidariedade para com a professora. Sem mas, nem meios mas. O vídeo é brutal. Impõe-se também alguma serenidade, antes de, como é costume, apontar o dedo, atirar culpas, fazer juízos. Nestas matérias, nada há pior do que precipitarmo-nos no gozo que nos dá censurar o mundo à nossa volta. Esse gozo denota sempre uma insuportável vontade de nos “vitimizarmos”, de nos colocarmos no centro da boa vontade, no palco da santidade e das práticas virtuosas. Recordo-me dos meus tempos de estudante, recordo-me de ter a idade daqueles ridículos adolescentes, recordo-me de como também eu fui um adolescente ridículo e de como alguns professores sofreram com isso. Recordo-me, por exemplo, de um professor cuja careca servia várias vezes de território experimental do calduço. Recordo-me da malta saltar pelas janelas depois da chamada, do professor nada fazer contra isso, talvez temendo represálias. Recordo-me de, certo dia, toda a turma ter sido chamada ao Conselho Directivo por ter deixado uma sala de aula num estado lastimável. Mesas em cima de mesas, cadeiras por cima das mesas em cima das mesas, tudo revirado, caixote do lixo na secretária do professor, papéis por todo o lado. Tudo feito com a professora dentro da sala de aula. Sim, éramos uns energúmenos. Não vivíamos em Lisboa, nem no Porto. Vivíamos em Rio Maior, na Escola Secundária de Rio Maior. Se a culpa era dos nosso pais? Pobres coitados, matavam-se a trabalhar para que pudéssemos ter tudo. Faltávamos às aulas, íamos para as tascas beber até cairmos para o lado. Os pais? Os pais estavam sempre presentes, mas tudo isto só não lhes passava ao lado quando, chamados à escola, envergonhadamente nos aplicavam alguns castigos. Castigos que, rapidamente, nos encarregávamos de desprezar. Os pais, os pais… Não venham pois culpar os pais, a ministra, o ministério, a escola, os alunos ou o inventor dos telemóveis isoladamente. Repartam as culpas, antes de reivindicarem uma inocência que não têm. Porque no meu tempo, apesar de ainda não termos telemóveis, já era assim. E mesmo quando os pais não dão o exemplo, a culpa não pode ser apenas dos pais.
Adenda: O vídeo está aqui.
Adenda 2: Tudo isto é muito triste. Limito-me a sublinhar: "Era uma aula livre e a professora autorizou o uso do telemóvel e toda a gente os tinha em cima da mesa. Pedi a uma amiga para ouvir música no telemóvel mas o som estava baixinho", conta Patrícia. Ao passar pela mesa para entregar um teste, a professora viu o telemóvel e tirou-lho. O caso acabou quando a professora disse no Conselho Executivo que tinha havido um problema, não fez queixa mas a aluna ficou sem o telemóvel. António Leite, director-adjunto da Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), disse ontem ao Expresso que a presidente do Conselho Executivo só tomou conhecimento do caso ontem quando a DREN contactou a escola depois de ter visto as imagens que estiveram no YouTube. A jovem está supreendida com a dimensão que o caso tomou e teme agora a suspensão ou a expulsão. Os pais da jovem só ontem tomaram conhecimento da situação. "Isto também é mau para os meus pais", diz a jovem que apenas tinha contado que a professora lhe tinha tirado o telemóvel.

4 Comments:

At 1:50 da tarde, Blogger MJLF said...

No meu tempo já era assim, na escola secundária Gabriel Pereira em Évora. Turmas com cerca de 30 alunos que quando resolviam fazer alguma estupidez iam a abrir, mas não existiam agressões a professores, isso nunca vi - quando fui professora tentaram-me agredir, isso sim! Ainda não vi o video, mas acho que todos temos a culpa.
Maria João

 
At 3:20 da tarde, Blogger jp said...

Tinha um professor de história delicioso, com uma certa idade, sabedor mas calão e pitosga, falava e falava mas sempre sentado, uma vez antes da aula trocámos o giz por tampões, o problema foi conseguir levantá-lo, mas uma palavra que fingimos não saber escrever, apesar de ele ainda tentar soletrar, lá o fez levantar, agarrou no pretenso giz começou a escrever e nada, quando se apercebeu do nosso sorriso, deu um discreto sorriso cúmplice e sentou-se calmamente continuando a aula, será que ainda existem professores assim.
Essa turma do 9º ano de desporto era uma constante de situações destas, que de estupidas não tinham nada, eram bem cómicas e elaboradas, por vezes passávamos semanas na preparação, mas sempre sem agressividade, os professores percebiam e nunca existiram problemas.
Esse ano, foi dos melhores da minha vida. Por isso tudo isto é estranho para mim.

 
At 2:35 da manhã, Blogger Logros said...

Concordo com a orientação geral do post: Não eleger culpados.
Mas, podemos analisar causas, que têm a ver com múltiplas variantes com consequências nem sempre previsíveis:
A democratização do ensino ex- secundário o que foi um dos louváveis intentos do 25 de Abril,(democratizar,descolonizar, desenvolver - OS TRÊS D(s) -mas tem tido custos; a "democratização" na sala de aula (que mistifica e adultera o estatuto de professor e aluno: o prolongamento de certa mentalidade em que aprender não requer esforço, disciplina, memorização, etc (sequelas do PREC, onde era tudo ludismo, RGA(s)e "o povo é quem mais ordena");
os avanços tecnológicos;a confusão entre autoridade e autoritarismo; a sobre-valorização social, na nossa época, da idade juvenil e tantas outras questões.

O "Carolina" foi um liceu de élite, no tempo do Estado Novo. As "meninas do Carolina" tinham um estatuto superior às do "Rainha Santa", mais modestas.
Mas, tenho uma filha que andou no Carolina, já como Escola Secundária e nunca me contou tais cenas pró-favela ou de enfermaria de agitados, como as que passam nas televisões.
Estou verdadeiramente chocada, pois ainda me recordo de na magnífica Biblioteca, ter assistido, lá, a uma conferência da Agustina.

 
At 5:16 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Eu acho que andam todos enganados… A minha análise sobre o assunto é a seguinte: Repare-se que o “cameraman”, aquele que dirige soberbamente os demais intervinientes, alinha a cobertura numa estratégia inteligente capaz de fazer inveja a muito repórter da nossa comunicação social. Profere palavras que enganam os menos atentos orientando-os para uma “bimbalhada”. Na realidade, este realizador é uma criatura inteligente que conseguiu o feito de criar uma obra impar demonstrativa da cultura deste país ao mesmo tempo que a divulgava massivamente. O facto de não ter optado pelo HD, conferiu um grau de realismo e de interligação à “geração SMS”, indispensável ao seu sucesso perante estes. Agradeço sinceramente a este anónimo lenhador e defensor da cultura local e nacional, esperando que possamos ver outras obras da sua autoria, quem sabe se teremos a sorte de aproveitar o seu génio para conseguir fazer chegar a história e a cultura à geração que representa. Por exemplo, uma longa-metragem rodada nos Montes Hermínios sobre Viriato, utilizando apenas telemóveis de terceira geração. Quase que consigo ver o tradicional “câmera, luzes, acção” substituído por “telemóbeis, já!”.

 

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