INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #26
FITA PRETA NO BRAÇO
Ocupa um dia da semana com as limpezas,
abafando assim o vazio dos minutos.
Transporta pequenos vasinhos com flores
de tecidos encerados para o passeio, sacudindo
em seguida os naperons de renda para os aranhiços
nunca criarem teias. Limpa os vidros da porta
do jazigo com páginas de jornais onde
a economia e a cultura se esvaiam num lixo,
depois da limpeza dos caixões
com a flanela embebida em óleo de cedro.
Do lado do rio repousa o pai, do lado
do shopping a mãe e o marido. Na prateleira
por baixo do pai, seu filho. De aspirador na mão,
limpa a alcatifa do chão do jazigo para depois
estender uma pequena toalha de linho,
abrir a marmita e merendar junto dos seus.
Fora estes, resta-lhe uma prima em Minas Gerais
de quem não sabe nada há décadas. Duas
ou três locutoras de televisão que são
como se fossem da família, a gatinha e uns
vasos adubados com borras de café na varanda.
Liga o rádio portátil, trinca a perna de frango
e olhando à sua volta, tropeça num suspiro.
A Segunda-feira é sempre um dia menos só.
A convivência com os ossos dá alegria.
Não dá para dançar, mas dá uma certa alegria,
um ar de paz, – um mar calmo, à Sebastião
da Gama, dizia. Mesmo embaciada é melhor
do que falar para as paredes e botões.
À segunda até dá para trautear velhos fados
ao limpar as molduras dos retratos.
No jazigo já não chora as saudades mas
a crua verdade da dor de estar tão-só.
Um dia ao fechar a porta reparou: os lírios
roxos colocados na jarra ainda há pouco,
começaram a murchar tão depressa
como o resto da sua vida.
Jorge Aguiar Oliveira
1 Comments:
Gostei desta complacência minuciosa.
A cada qual a sua murcha "eternidade". Até porque, como todo o poeta sabe, não é por haver muito ruído e gente a dizer patetices, que há menos jazigos e solidões.
Gostei daquela imagem de esterilidade mortal: "Nem os aranhiçps fazem a teia".
Parabéns.
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