INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #38
INFECTADA MELOPEIA
Interpretava canções dum amor
nunca correspondido ao piano.
Nas pausas feridas, entre licores,
ia buscar as cartas do namoro
amarradas por fitas de seda,
guardadas num pequeno baú.
Por um galho de medo ou pudor
nunca as desatou. No entanto,
lia pedaços soltos do seu diário
repleto de pétalas de rosa vermelhas
espalmadas, amores-perfeitos
desbotando a tinta das palavras
de engodo. Os álbuns de fotografia
da família, foram visitados tantas
vezes, que fomos adoptando à socapa,
sem querer, seus mortos e vivos.
O retorno ao sarro era o seu asilo.
E sempre que o convite chegava
para mais um sarau, lá íamos
em estranhos passos de compaixão
fugindo dos espelhos do velório
dos nossos últimos dias.
Chegará o tempo em que toda
aquela vida irá parar a um antiquário
ou a um dos “herdeiros” do chão
da Feira da Ladra. 1940? Não,
não estávamos. Passava 99 e eu
deixei o deserto onde vivia
no dia que voaste sobre mim.
Jorge Aguiar Oliveira
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