23.5.08

INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #49

BRAÇO DADO COM O MORTO


O cós da saia ajustava vinte anos
de pobreza. Uma semana depois de enfiar
a aliança no dedo do marido, entrou
na drogaria um ataque cardíaco.
Galgando o muro do grito, jurou
não mais trocar de aliança.
O vento será seco até ao fim.

Passaram outros vinte anos e contínua
passando a ferro os tecidos pretos.
Janta na mesa de fórmica da cozinha
sem nunca deixar de pôr os talheres,
o prato e o copo para ele. Revela
nunca jantar sozinha. E a alegria que
ele lhe dá ao apreciar
a sua mão cheia de temperos?

O mundo girando permanentemente,
formando-se na deformação dos detritos
do desmazelo e das novas formações
ácidas. Mas isso não importa. Não
faz parte das atenções da sua rotina.
Lá em casa nunca ficou nada de pernas
para o ar e tudo se encontra
na mesma como a lesma.

Antes de pisar o altar era uma burra
de lavrar a terra, levando os vagares
da vida a cuidar das feridas dos anjos.
Na sua aldeia os homens eram todos
anjos de bondade aos seus olhos.
Às vezes chorava de desgosto
ao lembrar a puta da profissão
de sua mãe, e de ouvir escondida
os seus gemidos doridos, provocados
pelos homens brutos que levava
para casa. O talhante, o taxista
(este fazia-a sofrer demais, por ter
uma picha de burro e velocidade
dum cão eléctrico), o pedreiro...

Enfermeira de mezinhas curandeiras
dizia encontrar uma paz na alma
sempre que encontrava um anjo
precisando da sua ajuda. Da espécie
homem só provou o Jacinto, horas
mais tarde de cortar o Bolo de noiva.

Jorge Aguiar Oliveira